"This is difficult, Lady!", gritava o grande Jerry Lewis, em palco, interpretando o diabólico 'Mr. Applegate', de Damn Yankees... Que é como quem diz: nestas coisas em que se jogam os trunfos da teatralidade (da voz, do corpo, do pensamento), a facilidade é sempre uma ilusão. A não ser que quem joga possua um talento de tal modo elaborado que consiga "fingir" uma espécie de abençoada espontaneidade, aí onde está, afinal, um laborioso trabalho em que cada detalhe infinitesimal pesa na consistência dos resultados.
Elisa Rodrigues pertence a essa nobreza de eleitos: escutando-a, experimentamos a contundência, o risco e a harmonia do gesto artístico como se não fosse mais do que a actualização automática de uma ordem transcendental. É por isso que colocar o seu álbum Heart Mouth Dialogues (ed. JACC Records) na prateleira do "jazz vocal" acaba por simplificar a multifacetada excelência de tudo aquilo que nos é proposto. Desde logo porque há "desvios" admiráveis para coisas como Dumb (Nirvana) ou Roxanne (The Police), a par de standards como Ain't No Sunshine (Bill Withers) ou Cry Me a River (Arthur Hamilton); depois porque o seu entendimento do jazz está para além de qualquer efeito gratuito de citação (à la Michael Bublé...), envolvendo a procura incessante de uma voz fiel à sua própria verdade interior.
A não esquecer: a notável contribuição dos músicos Júlio Resende (piano), Cícero Lee (contrabaixo), Joel Silva (bateria, em nove faixas) e Bruno Pedroso (bateria, numa faixa). Neste video de assinalável sobriedade, registado por Miguel Bordalo e Hugo Freitas, com impecável registo sonoro de Pedro Coelho, podemos escutar Elisa Rodrigues e Júlio Resende num dos temas chave do álbum: You Don't Love What Love Is (Don Raye, Gene de Paul).