terça-feira, julho 31, 2012

Mesa: novo teledisco, nova voz

Como se faz um teledisco? As respostas possíveis são, obviamente, infinitas. Mas talvez envolvam sempre uma verdade rudimentar: um teledisco é... uma narrativa.
Os Mesa — João Pedro Coimbra + Rita Reis (nova voz) — têm um novo teledisco cujo sentido narrativo começa pelo facto, também ele simples, mas essencial, de ser construído a partir de um argumento: escrito por Nuno Markl, Ele Domina apresenta um casal, interpretado por Ana Galvão e o próprio Markl, que vive uma pequena atribulação doméstica, encenada como uma desconcertante odisseia futurista.
Com realização de Jorge Vaz Gomes, Ele Domina lembra um pouco a solução, radical e fascinante, experimentada por Jean-Luc Godard em Alphaville (1965): filmar um tempo de ficção científica a partir dos elementos "naturais" do presente (Paris) em que a rodagem ocorreu — agora, trata-se de investir o mundo de todos os dias com uma estranheza de amargo romantismo, ao mesmo tempo provando que, em Portugal, o espaço criativo dos telediscos teima em resistir à rotina.

Chris Marker: Vietnam, 1967

O título, Loin du Vietnam, resumia toda uma atitude cinematográfica, que era também um princípio político: estava-se em 1967 e um conjunto de cineastas, a partir de França, longe do Vietname, procurava as imagens (e os sons) para lidar com as convulsões de um momento particularmente perturbante da política e da geopolítica. Eram eles: Joris Ivens, William Klein, Claude Lelouch, Agnès Varda, Jean-Luc Godard [video: episódio JLG] e Alain Resnais.
Chris Marker, normalmente esquecido nas evocações desta produção (o seu nome nem sequer figura neste cartaz), funcionou como autor e coordenador do conceito, afinal pondo em prática uma lógica cujas potencialidades criativas não se perderam — trata-se de cruzar a nitidez do documento com o carácter irredutível da(s) subjectividade(s).

Limonada em tempo de verão

São um trio de San Francisco, na Califórnia, chamam-se Lemonade e propõem em Diver (o seu segundo álbum de originais), um dos mais refrescantes álbuns para ouvir este verão. Aqui fica o teledisco que acompanha Softkiss. A realização é de David Franklin.

Pi, segundo Ang Lee


Depois de um teaser, chega o trailer. A adaptação ao cinema, por Ang Lee, do magnífico A Vida de Pi, de Yann Martel, é um dos títulos em agenda nas listas de grandes estreias para a reta final do ano. A história de um náufrago que partilha um pequeno bote salva-vidas com um tigre é coisa empolgante de ler nas páginas do livro. O trailer dá-nos primeiras ideias da forma como Ang Lee o “vê”. Em novembro saberemos mais...

A caminho de 'Centipede Hz'


Primeiros sinais do que nos espera no muito aguardado sucessor de Merryweather Post Pavillion, disco que muitos reconhecem como um dos mais significativos momentos que a música conheceu na primeira década deste século. Com o título, o novo álbum dos Animal Collective chega em setembro. Um aperitivo foi servido esta semana ao som de Today’s Supernatural, que recupera alguma rugosidade de tempos idos e não parece seguir os mesmos caminhos (mais ligados às electrónicas e a uma ideia de construção curva) das canções dos últimos discos... Promete, sem dívida...

Podem ouvir aqui o novo single dos Animal Collective

Atenas, 2004



Foi o ano da estreia de Timor Leste como nação independente. As primeiras oito medalhas para o nadador norte-americano (seis de ouro, duas de prata), que voltaria a bater recordes quatro anos depois, na China. Foi o ano da primeira derrota americana no basquetebol desde que os jogadores da NBA puderam competir (venceu Porto Rico). Foi o ano do regresso à Grécia, a Atenas, onde os jogos da era moderna haviam começado, em 1896. Houve mesmo lugares retomados dessa primeira olimpíada, a competição de tiro com arco decorrendo no antigo estádio olímpico e a maratona revisitando o seu percurso histórico que lhe deu o nome (ou seja, entre o local da batalha de Maratona e Atenas).

Em Atenas competiram mais de dez mil atletas, disputando as 301 provas de 21 modalidades. Os EUA arrebataram 102 medalhas (36 de ouro), a contagem final de medalhas colocando nos lugares seguintes a Rússia (92, 27 das quais de ouro) e a China (63 medalhas, 32 de ouro). Portugal somou três medalhas (duas de prata e uma de bronze), ocupando o 60º lugar do ranking final.

A islandesa Björk foi um dos nomes convidados a atuar na cerimónia de abertura dos jogos de Atenas em 2004. Na ocasião estreou o tema Oceania, expressamente criado para esta ocasião.

Podem rever aqui a atuação de Bjork na cerimónia de abertura.

Chris Marker: a botânica da morte

"Quando os homens morrem, entram na história; quando as estátuas morrem, entram na arte — esta botânica da morte é o que nós chamamos a cultura."

in Les Statues Meurent Aussi (1953)

Chris Marker escreveu o argumento de Les Statues Meurent Aussi (1953), Alain Resnais realizou e Ghislain Cloquet fotografou [video: integral]. De facto, o filme surge co-assinado pelos três, por certo empenhados em sublinhar que se tratava menos de deixar uma assinatura de autor e mais em enunciar um sentimento partilhado de fria revolta: a partir das mais diversas formas de escultura, o filme pergunta, afinal, por que razão a arte africana tem nos museus franceses um tratamento diferente, "selectivo", separando-a da arte europeia (o filme, encomendado pela revista Présence Africaine, esteve interdito em França durante oito anos, acabando por ganhar o Prémio Jean Vigo, em 1954).
Mais do que um título exemplar do entendimento político do documentário, premonitório do sentido crítico da Nova Vaga (que também é), Les Statues Meurent Aussi assume-se como reflexo muito directo de uma conjuntura em que estava a ser metodicamente interrogada a percepção da história colonial da Europa, a par de uma desmontagem crítica das representações quotidianas da sociedade de consumo — nesta perspectiva, pode dizer-se que o filme "antecipa" dois clássicos dos anos 50: Tristes Trópicos, de Claude Lévi-Strauss, e Mitologias, de Roland Barthes (editados, respectivamente, em 1955 e 1957).

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Histórias de uma família russa

Andrei Zvyagintsev, realizador de O Regresso, está de volta com Elena, um drama familiar que, além do mais, nos permite reencontrar o melhor do cinema russo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Um labirinto de luzes e sombras'.

Quando deparamos com as imagens televisivas de um país distante, que realidade detectamos ou pressentimos para lá das convulsões da geopolítica ou do simplismo dos fait divers? De facto, a questão acaba por ser muito mais próxima do que parece: como entendemos o nosso país através das notícias? Será que vivemos num país formatado entre a tragédia dos fogos e a euforia dos palcos “pimba” do Verão?
Não poucas vezes, esse tipo de informação organiza-se a partir de um leque de lugares-comuns que tanto pode resultar de risonha ignorância como de estratégico cinismo. Daí o valor cultural e simbólico da regular descoberta de cinematografias “alternativas”. É verdade que, nesse aspecto, o mercado português continua marcado por significativas limitações. Ainda assim, continuam a chegar-nos filmes que, precisamente contra a facilidade dos clichés históricos ou narrativos, não desistem de nos confrontar com as singularidades da vida quotidiana.
Elena, de Andrei Zvyagintsev, é um desses filmes: uma crónica sobre uma família russa centrada numa figura matriarcal que, perante a doença terminal do marido, faz cálculos muito frios sobre a herança que vai (ou não vai) receber. Dir-se-ia que a mise en scène de Zvyagintsev é cúmplice da frieza da sua protagonista, de tal modo somos conduzidos através das luzes e sombras de um labirinto moral que não esconde a crueza da sua principal revelação: num contexto de clara crise dos laços tradicionais, o dinheiro emerge como um elemento vital do jogo familiar.
Depois do relativo falhanço da sua segunda longa-metragem, The Banishment, Zvyagintsev retoma, assim, o intimismo perturbante de O Regresso: Elena é um bom exemplo de um cinema russo que devíamos ver mais nos nossos ecrãs.

segunda-feira, julho 30, 2012

Chris Marker: "La Jetée"

É o filme das imagens fixas. Ou talvez não... Feito, no essencial, a partir de uma montagem de fotografias, acompanhadas por um "narrador" que evoca o pré e o pós-Terceira Guerra Mundial, La Jetée/O Pontão (1962) é um objecto de continuado fascínio em que, por assim dizer, o cinema expõe (e, em boa verdade, celebra) o seu mais genuíno movimento interior.
No limite, a quietude das imagens  de Chris Marker é irrelevante, ou melhor, visceralmente ambígua — o cinema nasce não da "velocidade" das imagens (estúpida ilusão criada em alguns espectadores pelo "modernismo" dos efeitos especiais, devidamente sustentado por um jornalismo sem memória), mas sim do contágio orgânico dos seus elementos. E a sua vertigem é contagiante!
Mil vezes citado, outras tantas copiado, este é um filme que nos ensina a sentir/pensar o olhar como um exercício que se enraíza na singularidade de cada elemento visual, na sua cumplicidade com outros e também nas muitas formas de estranheza que nascem de tais relações. Entre as mais célebres homenagens a La Jetée, vale a pena rever o teledisco de uma canção de David Bowie, Jump They Say, realizado em 1993 por Mark Romanek.
>>> Sobre La Jetée: texto de Jean-Louis Schefer; artigo de Brian Dillon; ensaio de Sander Lee.

Chris Marker (1921 - 2012)


J.L.: Morreu um dos gigantes da história do cinema europeu: cineasta documental, sempre seduzido pelas convulsões da ficção, fotógrafo, ensaíasta e obsessivo experimentador (inclusive nos domínios da Net e da "realidade virtual"), Chris Marker deixa uma herança plural, cruzando os caminhos e desafios da modernidade cinematográfica — faleceu a 29 de Julho, data do seu 91º aniversário.
Embora contemporâneo da Nova Vaga francesa, e por certo cúmplice do seu espírito de pesquisa e experimentação, Marker foi sempre um secreto individualista (a começar pelos enigmas em torno da sua história pessoal). La Jetée (1962), filme praticamente construído com imagens fotográficas [extracto em video, versão inglesa], pode servir de símbolo exemplar da sua postura criativa.
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La Jetée/ O Pontão (1962), Sans Soleil/Sem Sol (1983) e Level 5/Nível 5 (1997) estão editados em DVD. Em 2010, o Festival do Estoril organizou uma mostra de filmes de Chris Marker.
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>>> Obituário no Libération.

Lana del Rey segundo Boy George

É bem verdade que de Boy George poucas notícias de feitos essencialmente musicais têm chegado nos últimos anos. Mas para o verão de 2012 o músico promete outra música... E apresenta uma versão de Video Games (original de Lana del Rey), num teledisco que conta com as participações de Angel Rose e Cesar Polini, com realização de Mike Nicholls.

Um '2001' ao estilo de 2012?...


Foi em 1968... Sim, há 44 anos. E mudou a forma de encarar o cinema de ficção-científica. Realizado por Stanley Kubrick com a preciosa colaboração da visão do escritor Arthur C. Clarke, 2001: Odisseia no Espaço tornou-se numa das mais citadas referencias da história do próprio cinema. Agora, 44 anos depois, o site Film School Rejects apresenta um trailer “alternativo” imaginando como seria feita a apresentação deste mesmo filme, caso surgisse em 2012...



Velocidade, velocidade, corte, corte, música ritmada (e muito má, convenhamos), corte, corte, vertigem, velocidade, imagem acelerada, velocidade, letras...

Antes de mais, recordemos aqui o trailer original.

E, já agora, aqui o tailer que nos apresentou Moon, de Duncan Jones (e já lá vamos...).

Parece o trailer de 2001 para 2012 uma “atualização” credível? Bom, na verdade é apenas um exercício de suposição, sem fins que não os de prestar uma eventual homenagem a um clássico, procurando talvez a comunicação com uma potencial nova geração de espectadores... Correndo desde logo dois riscos. O de alienar ao fim de alguns segundos o interesse de quem conhece o filme (que ali não reconhece nem o ritmo da respiração, o sentido de maravilha contemplativa ou mesmo a elegância gourmet da música usada por Kubrick) e o de desencantar os “novos” recrutas quando eventualmente se virem confrontados com o filme e se cansarem dos seus planos com bem mais de cinco segundos... (e para isso têm Rock of Ages, o candidato número um ao prémio de cine-lixo do ano).

O trailer agora construído, mesmo “esquecendo” a vontade em sugerir versões condensadas do plot (que contam quase tudo) que muitos trailers atuais nos mostram, não deixa contudo de traduzir o que são sinais dos tempos. A vontade de mostrar muito em pouco tempo, de quase afogar os olhos em imagens, de sugerir vertigem e ação (mesmo onde na verdade mora outra velocidade na gestão dos espaços, gentes e acontecimentos), de encontrar entre o ritmo da música e do ritmo da montagem um entendimento metronómico a cada batida... E entra aqui em cena o trailer de Moon, de Duncan Jones. O filme é talvez o melhor exemplo de um cinema de ficção científica com vontade em explorar ideias que refletem também uma relação com a literatura do género, evitando a lógica do protagonismo dos efeitos especiais perante o vácuo de outros “argumentos” de tantos outros exemplos da história recente deste importante espaço de criação cinematográfica. Veja-se como é relativamente "ofegante" o trailer de Moon, em evidente contraste com um filme que, mesmo longe de contemplativo, caminha todavia sob outras preocupações que não as da ação, do susto ou do espetáculo dos efeitos visuais.

O trailer “novo” de 2001 para 2012 começa contudo por falhar o alvo, talvez por ingenuidade, logo a partir do momento em que toma o filme como uma ideia que se pode apresentar como sendo coisa de ação. Mas mais que nele vermos uma “alternativa” ao de 1968 ou uma tentativa de chamada de atenção a novos públicos, podemos encarar este trailer como um exemplo que serve para refletirmos sobre como se comunica uma ideia. E convenhamos que a visão apresentada é mais formatada e conservadora que aquela que o filme de Kubrick (e o trailer que então o anunciava) revelava então, apresentando-nos um dos mais desafiantes ensaios sobre o nosso próprio futuro.

Uma sequela para Hedwig

A notícia chega de um Tumblr de um amigo do ator e realizador John Cameron Mitchell. Ali relata uma conversa entre ambos, na qual Cameron Mitchell revela que está a terminar uma primeira versão para uma sequela de Hedwig (a personagem que criou para um espetáculo off Broadway e que depois levou ao cinema num filme que ele mesmo protagonizou e realizou). As canções são, como na versão original, de Stephen Trask e uma primeira leitura deverá ter lugar numa atuação especial integrada na edição deste ano do Afterglow Festival, em Provincetown, agendada para meados de setembro. Ainda é cedo para pensar se esta nova vida de Hedwig será apenas coisa para os palcos ou se para eventualmente assinalar o regresso do ator e realizador ao cinema...

Estocolmo, 1912


A primeira participação portuguesa nuns Jogos Olímpicos chegou apenas em 1912, na quinta olimpíada, que então teve Estocolmo (Suécia) como anfitriã. Foram mais as estreias nesses jogos. Além de Portugal apresentavam-se pela primeira vez a Islândia, o Egito, a Sérvia (que como país independente regressaria apenas em 2008) e o Japão, este último a assegurar a estreia de uma representação asiática. Outra das estreias desta olimpíada chegou no plano de uma competição artística que, até 1948, aconteceria em paralelo com as provas desportivas. Foram assim atribuídas medalhas a feitos nas áreas da música, literatura, pintura, escultura e arquitetura.

Foram cerca de 2400 os atletas (dos quais apenas 47 eram mulheres) que disputaram as 102 provas em 14 modalidades. Na contagem final das medalhas a Suécia foi quem mais arrecadou, somando 65 (24 das quais de ouro). Os Estados Unidos conseguiram contudo mais vitórias, atingindo as 25 medalhas de ouro (num total de 63 medalhas).

Três imagens dos Jogos Olímpicos de Estocolmo. Na primeira, um aspeto da cerimónia da abertura. Na segunda, um olhar sobre uma prova de esgrima integrada no programa do pentatlo. Na terceira, a maratona, numa etapa corrida no interior do estádio olímpico.

Uma das maiores novidades destes jogos foram a criação de um espaço em paralelo para as artes com, inclusivamente, atribuições de medalhas, a Itália sagrando-se aqui campeã ao vencer duas de ouro (respetivamente na música, que distinguiu a Ode Olímpica Triunfal de Riccardo Barthelemy e na pintura, com uma tela representando desportos de inverno, por Giovanni Pellegrini). Os EUA venceram a medalha de ouro na competição de escultura com An American Trotter, de Walter Winans e a Suíça triunfou na categoria de arquitetura com o projeto para um moderno estádio olímpico de Eugène Monod. O mais célebre dos vencedores nas artes foi contudo Pierre de Coubertin (o responsável maior pela reativação dos Jogos Olímpicos), com a sua Ode au Sport, medalha de ouro na categoria de Literatura.

domingo, julho 29, 2012

Sobre o guarda-roupa de "Mad Men"

Como escolher as peças de roupa para uma ficção passada na década de 1960? Por exemplo: numa série como Mad Men? A resposta automática, académica e preguiçosa será sempre: usando o que estava na "moda"... Claro que não é possível esquecer a percepção do que era mais visível e dominava o look (público e privado). Mas, como refere Janie Bryant, responsável pelo guarda-roupa de Mad Men, tudo se decide a partir de duas componentes que, antes de serem visuais, são eminentemente narrativas. A saber: o argumento e as personagens, cada personagem. Vale a pena ler as declarações de Bryant ao site models.com, em particular sobre as opções tomadas na quinta temporada (actualmente a passar na RTP2, quartas à noite).
>>> Sites oficiais: Janie Bryant + Mad Men.

A IMAGEM: Mario Testino, 2012

MARIO TESTINO
Emma Stone
Vogue, Julho 2012

thenewno2: Harrison e os outros

Digamos que os rapazes podiam ter simplificado a questão e chamar-se "The New Nº 2". Mas não: a designação oficial é thenewno2.
O certo é que a ginástica da escrita até faz sentido. Afinal de contas, formam uma banda que se distingue pela variedade de inspirações e registos, numa amálgama de sons que pode ir das origens do rock'n'roll até às experimentações do hip-hop. Liderados por Dhani Harrison (filho de George) e o engenheiro de som Paul Hicks [na foto: respectivamente, segundo e quarto a contar da esquerda], thenewno2 têm um novo álbum, o segundo da sua discografia: poderia chamar-se "The Fear of Missing Out"; mas não, desculpem lá o mau jeito — o título é mesmo thefearofmissingout.
Aqui fica o teledisco de Another John Doe, do primeiro álbum You Are Here (2008), com realização de Oliver Hecks. Entretanto, thefearofmissingout está disponível nas páginas da NPR — valeapenaescutar...


>>> Site oficial de thenewno2.

"Revista de imprensa": um equívoco televisivo

PABLO PICASSO
Guitarra, folha de música e copo de vinho, 1912
A pouco e pouco, em televisão, as chamadas "revistas de imprensa" transformaram-se em mais um formato retórico, sem verdadeira consistência discursiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Julho), com o título 'Revista de imprensa???'.

O modelo da chamada “revista de imprensa” generalizou-se nos espaços informativos. E é uma boa ideia televisiva: um convidado propõe uma rápida visão dos jornais do dia, destacando artigos e temas que pontuam a actualidade e despertaram a sua atenção.
O certo é que, como acontece com muitos outros objectos do espaço televisivo, também aqui a formatação se tem sobreposto à diversidade (que o modelo pode conter). De facto, os convidados deixaram de falar de jornais, para passarem a dissertar (?) sobre “tudo” o que possa ser notícia.
Na prática, assistem-se a coisas extraordinárias como um especialista em agricultura biológica a tecer espantosas considerações sobre a venda de armas dos soviéticos ao regime sírio. Ou um treinador de pingue-pongue a especular sobre as nuances jurídicas do programa nacional de saúde concebido por Barack Obama...
Estou a inventar? Um pouco, ma non troppo. Também já participei (com muito gosto) neste tipo de rubrica e, se alguém pensar que estou a “culpar” os convidados, não pretendo excluir-me de tal possibilidade. Em todo o caso, não creio que seja uma questão de “culpas” televisivas (deixemos isso para os comentadores futebolísticos com vocação falhada de juízes). É, isso sim, um desses fenómenos de indução discursiva que a televisão produz com cada vez maior frequência.
Dir-se-ia que, pelo simples facto de se colocar uma câmara e um microfone à frente seja de quem for, o indivíduo representado se torna especialista “automático” em tudo o que nos possa afectar, desde os dramas do aquecimento global até à polivalência de Fábio Coentrão na equipa do Real Madrid.
Seria apenas um capítulo mais do anedotário televisivo, não se desse o caso de, através dele, se reforçar uma triste indiferença. A saber: falar de jornais é falar do que lá se escreve, das imagens que se mostram, do modo como tudo isso se organiza graficamente... Desta maneira, as “revistas da imprensa” fazem passar uma cruel mensagem: os jornais não existem, a não ser como pretexto para uma performance que nada tem a ver com a imprensa e os seus valores específicos.

Uma nova visão sobre Bruckner


Uma versão "completa" da Sinfonia Nº 9 de Bruckner pela Berliner Philharmoniker, dirigida por Simon Rattle. A edição é da EMI Classics.

A vontade de completar obras deixadas incompletas pelos seus compositores levanta inevitavelmente debates e é coisa que em nada alcança unanimidades. Veja-se o caso da “Sinfonia Nº 10” de Mahler, muitos maestros não a considerando na hora de gravar integrais em disco, alguns (como Bernstein, por exemplo), aceitando a inclusão do primeiro, que o compositor deixou incompleto, todavia com um esboço da orquestração. Simon Rattle é um dos maestros que aceitam não apenas uma abordagem ao trabalho de “reconstituição” desta obra deixada incompleta, como assinou a gravação de uma das leituras de “referencia” dessa visão (que, se sublinha uma vez mais, não é coisa de todo unânime...). É o mesmo Simon Rattle, acompanhado pela “sua” Berliner Philharmoniker, quem agora nos apresenta uma visão “completa” da Sinfonia Nº 9 de Bruckner.

A última sinfonia de Anton Bruckner (1824-1896) foi deixada incompleta pelo compositor, a morte impedindo-o de concluir o quarto andamento para o qual contudo deixou esboços e anotações registadas. A leitura mais “canónica” da nona de Bruckner apresenta habitualmente os três andamentos, para os quais ao longo dos anos foram sendo apresentadas e publicadas várias “versões”. O quarto e último andamento da sinfonia é contudo o “caso” que acende o debate, não só entre os que o aceitam interpretar e os que o rejeitam, mas também quanto à forma como, a partir do que Bruckner deixou escrito, várias propostas de “conclusão” da obra foram apresentadas. Discograficamente a Sinfonia Nº 9 de Bruckner começou por conhecer versões para apenas três andamentos, a mais antiga gravação que se conhece datando de 1934, sob direção de Otto Klemperer. A primeira tentativa de reconstrução total da obra surgiu em disco pela primeira vez em 1983, na versão de William Carragan, numa gravação pela Utrecht Symfonie Orkest, com o maestro Hubert Soudant. Simon Rattle apresenta agora em disco a revisão mais recente (que data de 2011) de uma versão originalmente apresentada em 1992 em conjunto por quatro especialistas em Bruckner (Samale, Mazzuca, Phillips e Cohrs).

Dedicada a Deus por um compositor profundamente crente, a Sinfonia Nº 9 de Bruckner é uma das suas mais belas e arrebatadoras composições orquestrais, traduzindo a expressão de alguém que sabe que está prestes a partir, as sensações de medo e maravilha cruzando-se num espaço onde a fé lhe garante a paz. A versão reconstruída que agora escutamos resulta de um longo processo de investigação com mais de vinte anos, dos 647 compassos do quarto andamento, 208 nascendo diretamente da mão do compositor. E, sublinha Rattle no texto que o booklet, “há mais Bruckner aqui que Mozart no seu Requiem”.



Imagens de um filme promocional que apresenta esta gravação na qual vemos a orquestra a interpretar esta sinfonia de Bruckner e Simon Rattle a apresentar a.versão que agora leva a disco,

Montreal, 1976


Lembro-me de estar em frente à televisão, imagem ainda a preto e branco... Foi nos metros finais da corrida. O finlandês Lasse Viren, o único que conseguira acompanhar Carlos Lopes, abriu o passo, ultrapassou o português e venceu a medalha de ouro nos 10 mil metros e, juntando essa à dos cinco mil metros, repetia a “dupla” que já conquistara em Munique quatro anos antes, na maratona terminando contudo em quinto lugar. Esta é talvez a memória mais viva que guardo dos Jogos Olímpicos que a cidade canadiana de Montreal acolheu em 1976. Os mesmos que tornaram lendária a ginasta romena Nadia Comaneci, que não só arrecadou várias medalhas de ouro, como alcançou a nota dez (de absoluta perfeição) em sete provas.

Os jogos da 21ª olimpíada da era moderna decorreram entre 17 de julho e 1 de agosto de 1976 e foram oficialmente abertos pela rainha Isabel II. Mais de seis mil atletas, representando 92 países, competiram nas 198 provas de 21 modalidades. Na contagem final das medalhas, a URSS somou um total de 125 (46 das quais de ouro), os EUA 94 e a RDA 90. Portugal venceu duas medalhas, ambas de prata (tantas quantas as da representação espanhola desse ano), terminando no ranking em 30º lugar. Além de Carlos Lopes, pelos 10 mil metros, o outro medalhado português foi Armando Marques, no tiro.


Três imagens das olimpíadas de 1976. Em primeiro lugar a romena Nadia Comaneci. Em segundo, Edwin Moses e Michael Shine, os vencedores do ouro e prata nos 400 metros barreiras. E em terceiro o cubano Alberto Juantorena, que venceu as corridas de 400 e 800 metros.

As memórias das olimpíadas de 1976 chegaram ao pequeno ecrã num telefilme que foi estreado em 1984. Realizado por Alan Cooke, Nadia é um biopic da ginasta romena Nadia Comaneci, uma das mais célebres campeãs olímpicas. Protagonizado por Marcia Frederick, o telefilme acompanha a forma como os pais descobriram o talento da filha, a sua preparação física, os feitos obtidos em jogos e campeonatos e ainda o modo como, mais tarde, o aumento de peso e a pressão exercida sobre si pela competição ameaçaram a sua carreira. O filme, uma co-produção entre os EUA e a Jugoslávia, teve edição em DVD em 2007 nos EUA.

Beatles e Stones há 50 anos... (4)


Continuamos a publicação de um artigo originalmente apresentado no suplemento Q., do DN, a 19 de maio de 2012 com o título ‘O ano em que o mundo ouviu os Beatles e viu nascer os Stones’. Em 1962 os Beatles lançavam ‘Love Me Do’, o seu primeiro single. No mesmo ano, depois de um primeiro ensaio, os Rolling Stones estreavam-se num pequeno palco em Londres. 50 anos depois esses dois momentos moram na mitologia da música popular.

“A ideia do Brian [Jones] para formar uma banda era andar por aí a falar com tudo o que fosse músico” (39). Quem o lembra é Bill Wyman, que durante anos foi baixista dos Rolling Stones e cujas memórias vividas entre a banda recorda na auto-biografia ilustrada Rolling With The Stones. Estávamos em finais de abril ou inícios de maio de 1962 quando o guitarrista Brian Jones colocou na Jazz News um anuncio a pedir músicos de rhythm'n'blues. Ian Stweart (40), um jovem pianista, foi o primeiro a responder. E o primeiro a chegar ao ensaio...

Na sua autobiografia Life, Keith Richards recorda esse ensaio “para o grupo que se tornaria os Rolling Stones”, que teve lugar no Bricklayers Arm, “um pub chungoso no Soho”. Em maio de 1962. “O pub tinha acabado de abrir quando cheguei, acompanhado da guitarra. Empregada de bar típica, uma velha loira de maus modos, poucos fregueses, cerveja morta. Mal ela viu a guitarra, apontou para o primeiro andar. Oiço um boogie woogie ao piano, um som incrível (...) Bastou isso para me sentir num outro mundo”, descreve o guitarrista (41). Compareceram, além de Keith Richards e Ian Stwart, o guitarrista Brian Jones, Mick Jagger, o guitarrista Geoff Bradford e Brian Knight, estes dois últimos não se entendendo com as opções de Richards e Jagger e a sua vida nos (futuros) Stones ficando por ali. Ainda longe de ter fixado uma formação, o grupo (ainda sem nome) ia procurando descobrir-se a si mesmo.

Poucas semanas depois um primeiro concerto surge no horizonte. A banda de Alexis Korner (os Blues Incorporated), que tinha data agendada no Marquee, recebe um convite para uma emissão em direto na BBC. E tenta passar a data... Ao telefone Brian Jones acerta os detalhes fundamentais. E o nome?... Faz-se uma pausa, porque nome era coisa que ainda não havia com uma certeza definitiva... Keith Richards narra esse episódio com a intensidade daqueles momentos de resolução de um momento de ansiedade num fime: “Eis que o Muddy Waters salva a situação” (42). Rollin' Stone era o título da primeira faixa do disco The Best of Muddy Waters. E como lembra no seu livro, tinham a capa mesmo à sua frente, “no chão”.

E assim, a 12 de junho de 1962, os recém-formados (e denominados) Rolling Stones estreiam-se no palco do mítico Marquee, em Londres, alertando Keith Richards para o facto de nessa noite o baixista ter sido Dick Taylor e o baterista terá sido Mick Avory “e não, como misteriosamente rezaria a história, o Tony Chapman” (43). Mas o concerto não mudou as suas vidas. E no dia seguinte voltavam a um quotidiano bem distante do que as luzes da fama iluminam.

Keith Richard faz em Life um retrato realista do dia a dia da banda nesses primeiros tempos. “Os Rolling Stones passaram o seu primeiro ano de vida a matar o tempo em bares, roubar comida e ensaiar. Por enquanto sermos os Rolling Stones só nos trazia prejuízo. O sítio onde vivíamos (o Mick, o Brian e eu) era uma nojeira. Edith Grove, nº 102 em Fulham. E mantê-lo uma nojeira tornou-se quase uma obrigação profissional: com tão pouco dinheiro não tínhamos alternativa. Mudámo-nos no Verão de 1962 e foi lá que enfrentámos o Inverno mais frio desde 1740” (44)

A agenda de concertos era escassa em datas. E sem muito mais para fazer, Keith lembra que passavam tempo “a observar as pessoas, a estudar-lhes os comportamentos”. Por vezes, confessa em Life, roubavam o que encontravam nos outros andares: “Quando as miúdas do rés-do-chão não estavam, vasculhávamos-lhes as gavetas, podia ser que encontrássemos umas moedas” (45)

Como ele mesmo descreve, estavam “às apalpadelas” à procura de um som, “neste caso o dos blues de Chicago ou o mais parecido com ele que” conseguissem: “duas guitarras, baixo, bateria e piano”. Tentavam ouvir todos os discos da Chess Records, uma referência maior dos blues, a que conseguissem chegar. “Como toda a gente tínhamos crescido ao som do rock’n’roll, mas foi pelos blues que decidimos seguir” (46) Keith e Brian “absorveram” a música de Jimmy Reed “até ao tutano”. Mas o guitarrista revela que, durante esse processo, Mick Jagger se sentia de certa forma excluído. Passava grande parte das suas horas na London School of Economics, onde estudava e não tocava então qualquer instrumento. “E foi por isso que decidiu pegar na harmónica e nas maracas” diz Keith Richards, que acrescenta que o vocalista se revelou então “um tocador de harmónica absolutamente fabuloso” (47).

Keith arruma o que procuravam no quadro do seu tempo quando diz que os Rolling Stones “começaram por ser uma banda frágil” e admite mesmo que ninguém esperava que “levantassem vôo”. Eram: “antipop, antimúsica de baile”. E, reforça: só queriam ser “a melhor banda de blues de Londres” (48). Não acredita, porém, que os Rolling Stones “tivessem realmente coagulado se não fosse o Ian Stewart”. Foi, como confirma, o pianista quem lhes alugou as primeiras salas de ensaio; e era ele quem distribuía a agenda de trabalho aos músicos. “Para o resto da banda parecia tudo tão complicado. Não sabíamos nada, éramos uns atados. A banda nasceu da visão do Ian, além de ter sido ele a decidir quem é que a formaria”. (49)

Ao longo do ano o grupo tinha já integrado a presença do baterista Charlie Watts (50). E em dezembro de 1962, a “precisar” de um baixista permanente, Bill Wyman encontrou-se com a banda no Red Lion, em Sutton. Ele mesmo recorda o momento na sua autobiografia: “Comprei uma rodada de bebidas para toda a gente e ofereci-lhe cigarros (…) Brian e Keith mal falavam comigo. Mick perguntava-me se conhecia a música de muitos artistas negros. E os únicos de que tinha ouvido falar eram Fats Domino e Chuck Berry. Falei sobre os Coasters, Jerry Lee Lewis, Eddie Cochrane, Johnny Burnette, Lloyd Price e Sam Cooke. Mas a forma como olharam deu para entender que não estavam a gostar. Keith não gostava particularmente de Jerry Lee Lewis. Curiosamente, 15 anos depois, descobriu subitamente os discos dele e começou a tocá-los constantemente. E ainda o faz” (51)

Ensaiaram, mas Bill Wyman, acabaria por descrever aquele momento como uma “zona sinistrada”. O segundo ensaio, dias depois, correu menos mal e a 14 de dezembro o baixista dava o primeiro concerto como membro dos Rolling Stones.

A 29 de dezembro, ainda sem um disco no horizonte (e com o primeiro single dos Beatles entretanto já transformado num relativo êxito), os Rolling Stones davam o seu último concerto de 1962 em Ealing. “Tinhamos a esperança, mas não a ideia de como, as nossas vidas iriam mudar nos doze meses seguintes”, recorda Bill Wyman... (52) Mal sabendo que em menos de dois anos seriam, de facto, um dos nomes maiores da cena pop/rock mundial.

39 – in Rolling With The Stones, de Bill Wyman, pág 34
40 – Ian Stewart (1938-1985) Pianista e um dos fundadores dos Rolling Stones. Foi afastado da formação do grupo em 1963 mas manteve-se como road manager da banda e tocou como pianista nos seus discos.
41 – in Life, de Keith Richards, pág 98
42 – ibidem, pág 104
43 – ibidem, pág 105
44 – ibidem, pág 107
45 – ibidem, pág 109
46 – ibidem, pág 111
47 – ibidem, pág 116
48 – ibidem, pág 117
49 – ibidem, pág 118
50 – Charlie Watts (n. 1941) Baterista dos Rolling Stones desde janeiro de 1963. Tem discografia a solo desde 1987. O seu mais recente disco é The Magic of Boogie Woogie, de 2010.
51 - in Rolling With The Stones, de Bill Wyman, pág 40
52 – ibidem

Que futuro para o cinema digital?

Não, não é um filme de episódios. Os cineastas cujos nomes figuram no cartaz de Side by Side respondem, a Keanu Reeves, sobre a questão enunciada em baixo: "Será que o filme [ou o cinema] pode sobreviver ao nosso futuro digital?".
Nas entrevistas surge também uma galeria de notáveis directores de fotografia, incluindo Michael Ballhaus (Drácula de Bram Stoker), Michael Chapman (Taxi Driver), Ellen Kuras (Verão Escaldante), Wally Pfister (Inception/A Origem) e Vilmos Zsigmond (Encontros Imediatos do Terceiro Grau). Com realização de Christopher Kenneally, trata-se de uma viagem pelas maravilhas e dúvidas da nossa idade digital, questionando futuros modos de fazer/pensar/difundir os filmes. E até quando se chamarão filmes?

sábado, julho 28, 2012

Fotografar o Ramadão

Stone Town, Zanzibar, 21 Julho
FOTO: Thomas Mukoya / Reuters
Muçulmanos de todo o mundo cumprem o seu mês de jejum: o Ramadão (nono mês do calendário islâmico, este ano correspondendo a 20 Julho/18 Agosto) é também motivo de muitas fotografias que, um pouco por toda a parte, fazem a actualidade mediática. No site 'The Big Picure', do Boston Globe, propõe-se um notável portfolio de 41 imagens — são visões admiráveis em que o simbolismo dos rituais se combina com a singularidade individual.
Meca, Arábia Saudita, 23 Julho
FOTO: Hassan Ali / Reuters
Sanaa, Iemen, 22 Julho
FOTO: Mohameed Huwais / AFP / Getty Images

Jogos Olímpicos "versus" cinema

Sinal dos tempos: um pouco por toda a parte, assistimos ao elogio da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres como um grande evento "cinematográfico" (exemplo de A Marca: 'Una cerimonia de cine'). Podemos, evidentemente, ter outra perspectiva e considerar que o evento foi pouco mais que rotineiro... Mas o que importa questionar é esta facilidade com que se cola o adjectivo cinematográfico àquilo que se descreve ou comenta.
Em parte, tal classificação decorrerá do simples facto de a realização da cerimónia ter assinatura de um cineasta (Danny Boyle). Enfim... Mas o mais sintomático é que o adjectivo seja utilizado quase apenas em função de duas linhas de força. A saber:
1) - porque a cerimónia integrou muitas referências a filmes.
2) - porque se assistiu a uma proliferação de elementos mais ou menos gigantescos, luminosos e/ou ruidosos.
* * * * *
Que se passa, então? Primeiro, o cinema é reduzido a uma acumulação de "citações", tão superficiais ou inconsequentes como as que, todos os dias, proliferam no universo publicitário. Segundo, o cinema surge confundido com os célebres... efeitos especiais.
São factos que dizem bem do apagamento do cinema no espaço corrente da televisão e, mais globalmente, na paisagem mediática. Que os Jogos Olímpicos sejam pretexto para o reforço de tal vazio, de memória e conhecimento, eis a tristeza mais funda.

Reencontro com Andrei Zvyagintsev

Andrei Zvyagintsev, realizador de O Regresso, está de volta com Elena, um drama familiar que nos confronta com as convulsões mais íntimas da actual sociedade russa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Um cineasta russo fascinado pelas relações entre gerações'.

Perante a estreia do filme russo Elena, de Andrei Zvyagintsev, talvez seja inevitável recordar que a cinematografia da Rússia é uma das que continua a ter uma presença irregular no mercado português. Ao longo das últimas décadas, alguns dos seus nomes que, apesar de tudo, fomos descobrindo, são autores que conseguiram um reconhecimento importante nos grandes circuitos internacionais, em particular nos maiores festivais de cinema. É o caso de Nikita Mikhalkov, que arrebatou o Grande Prémio de Cannes, em 1994, com Sol Enganador, ou Aleksandr Sokurov, distinguido, também em Cannes, em 1999, com o prémio de argumento para Moloch (em 2011, Sokurov venceu o Festival de Veneza com Fausto, a estrear entre nós no mês de Novembro).
Andrei Zvyagintsev, precisamente, é outra dessas excepções. Afinal de contas, tinha apenas 39 anos quando, em 2003, recebeu o Leão de Ouro de Veneza com O Regresso, a sua primeira longa-metragem (antes dirigira alguns episódios de uma série televisiva). Retratando dois adolescentes confrontados com o inesperado regresso a casa do seu pai, depois de mais de uma década de ausência, Zvyagintsev explorava uma linha temática que parece constituir uma trave mestra do seu universo. A saber: os enigmas das relações entre gerações e, mais do que isso, aquilo que se transmite (ou não) de pais para filhos.
Depois de O Regresso, Zvyagintsev dirigiu The Banishment (inédito nas salas portuguesas), outra ambiciosa travessia das sombras de um espaço familiar que, em Cannes (2007), valeu a Konstantin Lavronenko a distinção de melhor actor (Lavronenko era o intérprete da personagem do pai em O Regresso). Elena coloca em cena uma situação familiar muito particular, já que a personagem principal, interpretada por Nadezhda Markina, é uma mulher que enfrenta uma situação carregada de ambiguidades materiais e emocionais: face à morte iminente do marido, ela está apostada em não perder a sua herança e, em particular, em garantir o futuro financeiro do seu filho de um primeiro casamento...
Nadezhda Markina é, afinal, um exemplo modelar da importância do trabalho dos actores no cinema de Zvyagintsev. E não será por acaso que isso acontece: em boa verdade, ele é originalmente um actor, formado em 1984 pela Escola Dramática da sua cidade natal, Novosibirsk, na Sibéria. A viver em Moscovo a partir de 1986, Zvyagintsev prosseguiu os estudos na Academia de Artes Teatrais, tendo cumprido, até ao ano 2000, uma carreira de actor repartida entre o cinema e o teatro.

Atenas, 1896


Atenas, 6 de Abril de 1896. O rei Jorge I declarava oficialmente abertos os jogos da primeira olimpíada da era moderna, 1502 anos de Olímpia ter recebido os seus últimos Jogos Olímpicos. A ideia da revitalização dos jogos, que muito deve ao francês Pierre de Coubertin, apontava, depois de uma reunião decisiva em 1894, a uma estreia no quadro da Exposição Universal de Paris, em 1900. Porém foi a Grécia quem acolheu o renascimento dessa sua criação histórica (cujos registos remontam ao ano 776 a.C.), numa primeira edição que envolveu nove modalidades, em provas que decorreram entre vários locais, do estádio olímpico com capacidade para 80 mil pessoas (que acolheu as provas de atletismo, ginástica, luta e halterofilismo) à Baía de Zea (onde se realizaram as provas de natação) ou o pavilhão Zeppeion (a “casa” das provas de esgrima).

Ao todo a I Olimpíada da era moderna recebeu 241 atletas de 14 países, cabendo à Grécia a soma do maior número de medalhas (um total de 46). Nesta altura era atribuído ao vencedor uma medalha de prata e um ramo de oliveira, ao segundo e terceiro lugares medalhas de bronze e um ramo de loureiro. Na contabilidade de pormenor, a equipa dos EUA foi a quem mais primeiros lugares alcançou, com um total de 11, seguida da Grécia (10) e Alemanha (6). Não houve mulheres entre as equipas. E Portugal não participou nesta olimpíada.


Imagens da primeira olimpíada da era moderna. Na primeira vemos um aspeto do estádio Olímpico na cerimónia de abertura. Na segunda, corredores na maratona. Na terceira, um momento da competição de ginástica.

Uma versão dramatizada dos acontecimentos durante os Jogos Olímpicos de 1896 foi recriada na série televisiva The First Olympics: Athens, 1896, produzida pela NBC em 1984 por ocasião dos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Com realização de Alvin Rakoff, a série acompanha a forma como foi reunida e treinada a equipa de 13 atletas que os EUA enviaram a Atenas nesse ano. A série teve edição em DVD em 2008 (não estando ainda disponível em Blu-Ray). Está também editada a banda sonora, composta por Bruce Broughton.