domingo, junho 17, 2012

Uma obra em construção


Mais um volume na integral da obra sinfónica de Shostakovich por Vasily Petrenko com a Liverpool Royal Philharmonic Orchestra (e o seu coro), uma vez mais pela Naxos. Desta vez, num mesmo disco, as sinfonias números 2 e 15.

Continuamos a acompanhar aquela que – talvez a par com as gravações das cantatas de Bach por John Eliot Gardiner, e uma vez concluída a viagem por Mahler de Pierre Boulez – parece ser a mais entusiasmante integral em curso no dias que correm. Contando já com vários discos lançados, a integral da obra sinfónica de Dmitri Shostakovich [que entre nós surge habitualmente sob a grafia Chostakovich, mas estou acostumado aos hábitos da cultura anglófila e o disco em causa apresenta-o do mesmo modo, pelo que não leve a mal quem assim não o faça] pela Royal Liverpool Philharmonic Orchestra, sob direção do russo Vasily Petrenko tem colhido sucessivos elogios e faz hoje da orquestra inglesa uma evidente “especialista” na obra daquele que é um dos maiores compositores do século XX.

A nova edição junta duas obras de características distintas e criadas em épocas diferentes. Apenas reconhecida como sendo a sua “segunda” sinfonia quando estava prestes a apresentar a terceira, a Sinfonia Nº 2 de Shostakovich surgiu nos seus planos de trabalho em 1926 sob uma encomenda concreta (e estatal), destinando-se a comemorar, no ano seguinte, os dez anos da revolução bolchevique. Apesar do terceiro andamento coral – baseado num texto do poeta “oficial proletário” (como o descreve o booklet) Alexander Bezïmensky, que ao que parece não morava entre a admiração do compositor – a obra espelha uma entusiasmante pulsão experimental, sobretudo visível num primeiro andamento onde um desenho de texturas quase em surdina vai ganhando forma, dali surgindo aos poucos as vozes das cordas e de algo que só emerge de modo ostensivamente visível ao cabo de alguns minutos. Estreada em Moscovo em dezembro de 1927, a sinfonia saiu de cena pouco depois e durante anos não foi interpretada, regressando apenas nos anos 60 em Leningrado (hoje São Petesburgo), quando teve (em 1965) a sua primeira gravação, conhecendo a sua primeira apresentação no ocidente em Londres, em 1969.

Por essa altura estava já relativamente próxima a estreia da Sinfonia Nº 15 (a sua última), que teve primeira apresentação mundial em Moscovo, em janeiro de 1972 sob direção de Maxim, o filho do compositor (que assegurou também a sua primeira gravação). Esta sinfonia, que completa o alinhamento deste disco, expressa o interesse de Shostakovich pela ocasional exploração de técnicas usadas por alguns modernistas, embora sem o desejo de fazer da obra uma seguidora da escola que entretanto havia dominado muita da criação musical europeia. Não seria a sua última obra, uma vez que até 1975 ainda completou seis outros trabalhos. Mas completa com inspiração e fulgor uma das mais importantes obras sinfónicas de sempre.