domingo, junho 17, 2012

Nos 30 anos de David Sylvian (4)



Assinalam-se este ano os 30 anos sobre o início da carreira a solo de David Sylvian. Esta é parte de um texto que foi publicado a 10 de março de 2012 no suplemento Q., do DN, com o título 'Ao afastar-se de tudo David Sylvian encontrou uma voz'.

Depois de ter gravado três álbuns a solo, David Sylvian sentiu que através de trabalhos de colaboração poderia abrir o leque da sua linguagem enquanto compositor. “E devo confessar que, nessa altura, estava a passar um momento de pressão muito grande, pelo que me era difícil encarar a ideia de criar uma música só minha Creio que ganhei sempre com os trabalhos de colaboração”, relata o músico (33). Ao trabalhar no vídeo de Steel Cathedrals tinha aberto a escrita a métodos de improvisação que depois desenvolveu em dois discos com Holger Czukay e, mais tarde nos Rain Tree Crow, onde reconhece que alcançou outro patamar de procura. “Esse projeto fora inicialmente concebido com um line up não fixo que seria alterado de disco para disco. Ao decidir fazer um primeiro disco com os ex-elementos dos Japan todo o projeto foi, naturalmente, sujeito a uma revisão (34).”

O trabalho instrumental de Sylvian aprofundou progressivamente o seu relacionamento com os métodos da música improvisada, a exploração do silêncio (que abordara já em álbuns vocais nos anos 80) e ainda uma visão muito pessoal da noção de música ambiental. “De todos os músicos pop/rock a ermergir na Inglaterra dos anos 80, nenhum outro abraçou a filosofia do ambiente e silêncio como David Sylvian”(35), reconhece Mark Pendergrast num livro onde traça a história da música ambiental.

Porém, mais consequentes do que as aproximações ao silêncio (que concebe tanto em material registado em disco como em instalações), a experimentação progressiva da improvisação como método de trabalho semeia ideias que colherá mais tarde. A mudança para os EUA, a família e todo um novo ambiente ao seu redor moldam contudo grande parte do seu mundo nos anos 90. “Quando me mudei para os Estados Unidos vim numa espécie de processo de fuga cultural. E estava aberto à cultura americana, por reação a uma espécie de afogamento perante os excessos a que estava submetido na Europa. Passei, ao chegar, por um processo de isolamento, de vivência focada na família (36).” E Dead Bees on a Cake, que editou em 1999, 12 anos após Secrets Of The Beehive, nasceu nesse ambiente. “Entretanto a música que tinha estado a ouvir nos últimos anos, finalmente bem digerida, começou a marcar o som que começava a nascer. De uma maneira não premeditada (37).”

'Manafon'
No novo milénio, David Sylvian dividiu o seu tempo entre novas colaborações – uma delas com Steve Jansen e Burnt Fridman gerando os Nine Horses, uma nova banda – a escrita de música em nome próprio e a criação de uma editora através da qual hoje coordena a sua atividade editorial. “Montei a editora, de facto, para lançar o Blemish (38)”, confirmou em entrevista ao DN por alturas do lançamento de Snow Borne Sorrow, primeiro álbum do coletivo Nine Horses. “Pensei que não valeria a pena estar a vender um disco tão difícil a grandes editoras. E a receção crítica ao álbum tomou-nos até de surpresa! E como resultado natural dessa boa receção, a editora acabou por crescer rapidamente. Eu gosto mesmo de fazer parte da equipa que trabalha na Samadhisound. E não tenho quaisquer intenções de regressar a uma multinacional neste momento”, acrescentou (39). A editora, que Sylvian deixa claro não representar um fardo económico, está aberta à edição de outros artistas. Em sua volta juntou uma equipa pequena, mas “devota”, de gente com experiência que o ajuda a dirigir a editora. Recebe material para uma ouvir e está atento à música que vai escutando quando viaja e nas pesquisas que faz. Mas mesmo tendo já lançado títulos de nomes como Akira Rabelais, Harold Budd ou Steve Jansen, os discos que fazem os episódios maiores da história da Samadhisound até este momento são, além de Blemish, Manafon (de 2009) e Died in the Wool (2011). Entre todos eles escrevendo-se um novo e importante período criativo para o músico que toma a improvisação como primeiro método de trabalho. E entre eles surgindo um novo grupo de colaboradores, essencialmente encontrados nos espaços da música eletrónica (como Christian Fennez (40). ou Nils Petter Molvaer (41)) do jazz e demais música improvisiada (como Derek Bailey (42) ou Evan Parker(43)).

Sylvian cita uma ideia Ginsbergiana quando explica a sua relação com a improvisação. Uma ideia que provém, de resto, de ensinamentos budistas, tal e qual explicava à Wire em 2009 quando lançava Manafon: “First thought, best thought... right thought” (que podemos descrever como “a primeira ideia é a melhor ideia e a ideia certa”). O que implica, como ele mesmo descreveu, “não muita revisão no processo de escrita” traçando assim um processo essencialmente intuitivo que Sylvian não acredita que seja muito intelectual. De resto, se confrontado entre razão e emoção a sua escolha é clara: “desejo sempre que o coração decida. A mente analisa e o coração unifica. Opto pelo coração (44).” A prova está na música que faz.

(33) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 27 março de 1999 
(34) ibidem
(35) in The Ambient Century, de Mark Pendergast 
(36) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 27 março de 1999 
(37) ibidem 
(38) Blemish – álbum que assinala, em 2003, a estreia da Samadhisound, a editora criada por David Sylvian. 
(39) Em ‘Luz de Inverno’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmúsica, a 23 de setembro de 2005 
(40) Christian Fennesz (n. 1962) – guitarrista austríaco, é figura marcante na música eletrónica de vanguarda do nosso tempo. Colaborou com Sylvian em 'Blemish' (2003), ‘When Loud Weather Buffeted Naoshima’ (2007) ou ‘Manafon’ (2009) 
(41) Nils Peter Molvaer (n. 1960) – trompetista norueguês com presença reconhecida na música eletrónica de vanguarda. Colaborou em ‘The Only Daughter’ (2005) 
(42) Derek Bailey (1930-2005) – guitarrista inglês com obra reconhecida nos universos da improvisação, colaborou em ‘Blemish’ (2003) 
(43) Evan Parker (n. 1944) – saxofonista britânico com obra nos espaços do free jazz. Colaborou em 'Manafon' (2009) 
(44) in ‘Um Lento Olhar’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 28 de outubro de 2000