quinta-feira, junho 14, 2012
O vento levar-nos-á
Às vezes temos de observar retratos extremados nos outros para nos entendermos a nós mesmos, ao nosso espaço e ao nosso tempo. E um filme de época (com ação que decorre em finais do século XIX) que acompanha as rotinas em incessante repetição de um pai e uma filha, numa casa no meio de nada, fustigada por uma tempestade que não acaba e que, perante a incapacidade para trabalhar dão por si sem nada que fazer nem objetivos senão o assegurar da sobrevivência e passar o tempo que resta a olhar para o vento, por uma janela, na verdade pode estar também a falar sobre as vidas de muitos de nós, aqui, hoje.
Em O Cavalo de Turim, claramente o melhor filme a conhecer estreia entre nós nestes primeiros seis meses de 2012, o realizador húngaro Béla Tarr coloca uma premissa narrativa, que uma voz partilha connosco: Em Turim, em janeiro de 1898, o filósofo Friedrich Nietzsche vê um cocheiro a chicotear violentamente um cavalo que se recusa a andar. Perante o que vê interrompe a sova e abraça o pescoço do cavalo. É então levado para casa, onde fica por dois dias em silêncio, proferindo depois as últimas palavras, ao que se seguem dez anos de vida “silenciosa e demente”, sob a atenção da sua mãe e irmãs. E a voz termina: “não sabemos o que aconheceu ao cavalo”...
Nietzsche não surge nunca nas imagens. Mas as suas ideias fustigam, como o vento, tudo o que se segue. Um homem regressa a casa com o seu cavalo (uma égua, como saberemos depois). E quando esta se recusa a caminhar no dia seguinte, a sua vida acaba reduzida a ciclos de repetições, do acordar e vestir às refeições feitas de batata e sal. Com duas janelas como único ponto de fuga (de uma fuga impossível). Resta-lhes a solidão, que Béla Tarr desenha com uma austeridade minimalista que o som em loop do vento e a música (também ela repetida e repetitiva) de Mihály Víg (o mesmo compositor que consigo trabalha desde 1985) assombra e aprofunda. O realizador tinha razão quando dizia que, depois de vermos O Cavalo de Turim, entenderíamos porque decidiu que este seria o seu último filme.