COURBET: A Origem do Mundo (1866) |
Este é um dos mais célebres, e também mais polémicos, quadros da história da pintura: chama-se A Origem do Mundo, tem assinatura de Gustave Courbet, e pode ser visto em Paris, no Museu d'Orsay. Não é exactamente uma novidade, uma vez que tem data de 1866, isto é, já completou 146 anos — com ele, e através dele, se faz muito da história moderna da nudez, da representação dos corpos, da verdade feminina e do imaginário masculino.
Que a nudez desafia a estabilidade do mundo, eis uma asserção que podemos aceitar, sobretudo se nos distanciarmos da ideologia televisiva do escândalo permanente e não esquecermos que a nudez não é simples — nela, e através dela, joga-se não apenas a figuração do corpo (objecto & fantasma), mas o olhar de cada um dos espectadores ("eu", "tu", "ele"...).
Ainda assim, parece difícil aceitar o infantilismo militante com que, cada vez que alguém expõe alguns centímetros de pele, algumas formas contemporâneas de jornalismo parecem querer por em causa a rotação da Terra em volta do Sol...
Voltou a acontecer agora por causa desta pose de Madonna na sua MDNA Tour.
Roma, 12 de Junho de 2012 |
Dir-se-ia que muitos sectores do espaço mediático, imprensa, televisões e Net, entraram em alerta vermelho!!!
Sejamos sérios: quem "gosta" e quem "não gosta" de Madonna (e não se trata de por em causa a legitimidade de qualquer ponto de vista), todos concordam em reconhecer que ela não é exactamente o tipo de criatura artística que deixe indiferente o seu semelhante. Ninguém espera, por isso, que Madonna surja como uma personagem pacífica, imaculada, geradora de consensos — aliás, o que tem sido a sua carreira que não seja uma permanente arte de gerar clivagens estéticas e morais, temáticas e simbólicas?
Sejamos sérios: quem "gosta" e quem "não gosta" de Madonna (e não se trata de por em causa a legitimidade de qualquer ponto de vista), todos concordam em reconhecer que ela não é exactamente o tipo de criatura artística que deixe indiferente o seu semelhante. Ninguém espera, por isso, que Madonna surja como uma personagem pacífica, imaculada, geradora de consensos — aliás, o que tem sido a sua carreira que não seja uma permanente arte de gerar clivagens estéticas e morais, temáticas e simbólicas?
Nem sequer valerá a pena recordar que, para além do domínio artístico, há toda uma dimensão humanitária da intervenção pública de Madonna (por exemplo, o apoio aos órfãos da sida no Malawi) que, para muitos, só é notícia quando surgem (e têm surgido...) problemas burocráticos e administrativos nos seus projectos. Mas há qualquer coisa de ofensivo neste sensacionalismo-por-qualquer-preço que nem sequer tem memória. Vale a pena, talvez, contrapor esta imagem.
Express Yourself (1989), de David Fincher |
Se os jornalistas "anatómicos" andavam à procura das mais variadas formas de nudez na obra de Madonna (e, já agora, se quiserem trabalhar um pouquinho mais, em todo o universo da música pop...), talvez fosse interessante começar por esta imagem que tem nada mais nada menos que 23 anos: é do teledisco de Express Yourself, por acaso realizado por um maiores cineastas contemporâneos, de seu nome David Fincher, inspirando-se no clássico Metropolis (1927), de Fritz Lang. Ou podiam também socorrer-se desta outra imagem, porventura mais "explícita" segundo os seus doutos critérios.
Sex (1992) |
Pertence ao livro Sex, lançado há duas décadas, em 1992. Se dúvidas ainda existirem sobre o facto de a nudez não ser exactamente uma "invenção" escandalosa, subitamente revelada algures, no ano da graça de 2012, num qualquer concerto pop, sugere-se uma discreta viagem no tempo, recuando... 120 anos.
RENOIR: Nu reclinado (c. 1892) |
Poderão, aliás, dedicar-se a identificar os elementos da banda do tal "Renoir", por certo um malfeitor do heavy metal, esclarecendo-nos qual o nome da digressão e a editora dos seus álbuns...
Entretanto, fiquem a saber que, nesta questão, importa atribuir ao fotógrafo Martin Schreiber algum pioneirismo.
Além do mais, se não for pedir muito, e já que os corpos nus parecem ser uma continuada promessa de "apocalipse", seria interessante que os mesmos jornalistas exprimissem os seus pontos de vista (partindo do princípio que têm algum) sobre formas de nudez como esta.
Além do mais, se não for pedir muito, e já que os corpos nus parecem ser uma continuada promessa de "apocalipse", seria interessante que os mesmos jornalistas exprimissem os seus pontos de vista (partindo do princípio que têm algum) sobre formas de nudez como esta.
Big Brother UK |
A imagem pertence a uma edição do Big Brother (Reino Unido), quer dizer, provém de um dos programas contemporâneos de televisão que se fundamenta numa elaborada, continuada e insidiosa violência contra o factor humano. Mais do que isso: foi publicada por um jornal que cultiva um estilo que tende a ampliar o efeito de degradação humana (e humanista) que o programa promove.
Ora, o que importa repetir é que tal degradação não se "mede" pelas zonas de pele exposta seja de quem for, mas pelo sentido do olhar que se constrói e difunde — e essa diferença o jornalismo da agitação por qualquer preço nunca conseguirá compreender. Em boa verdade, demite-se todos os dias de enfrentar a decomposição simbólica, largamente televisiva, de muitas zonas do nosso mundo contemporâneo. Madonna é apenas um pretexto para esse jornalismo tentar disfarçar o seu angustiado vazio.
Ora, o que importa repetir é que tal degradação não se "mede" pelas zonas de pele exposta seja de quem for, mas pelo sentido do olhar que se constrói e difunde — e essa diferença o jornalismo da agitação por qualquer preço nunca conseguirá compreender. Em boa verdade, demite-se todos os dias de enfrentar a decomposição simbólica, largamente televisiva, de muitas zonas do nosso mundo contemporâneo. Madonna é apenas um pretexto para esse jornalismo tentar disfarçar o seu angustiado vazio.
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LUCIAN FREUD: Homem nu visto de costas (1991-92) |