sábado, junho 09, 2012

Nos 30 anos de David Sylvian (2)


Assinalam-se este ano os 30 anos sobre o início da carreira a solo de David Sylvian. Esta é parte de um texto que foi publicado a 10 de março de 2012 no suplemento Q., do DN, com o título 'Ao afastar-se de tudo David Sylvian encontrou uma voz'.

Se recuarmos 30 anos, era outro o David Sylvian que então encontrávamos a dar, num single assinado em parceria com o músico japonês Ryuichi Sakamoto (9), os seus primeiros passos a solo. Maior sendo ainda o contraste com os dias em que se revelava publicamente com os Japan, em meados dos anos 70, sob uma imagem garrida que piscava o olho a ecos do fenómeno glam rock (10) e a ícones como os New York Dolls (11). De cabelos longos, roupas de cor e maquilhagem no rosto, Sylvian dava assim vida pop a uma personagem que havia criado ainda nos dias de escola, ao lado de Andonis Michaelides (que mais tarde seria conhecido como Mick Karn), num bairro periférico de Londres. Era uma personagem criada para enfrentar o resto do mundo, como o próprio Sylvian mais tarde justificaria. Era um jovem “muito tímido e sentia a necessidade de criar defesas”. Essa imagem sugeria assim um chão seguro para poder apresentar as canções que estava a fazer. “Levei muito tempo a sentir a coragem para me libertar e ser eu mesmo. Foi um processo muito lento e complicado, o de despir essas camadas. Eu era uma máscara de mim próprio na qual me escondia de mim mesmo. Mas não teria conseguido fazer as coisas de outra forma. Era muito vulnerável (12).” Do trabalho desse período inicial diz não crer que “seja muito válido (13)”.

Estreados em disco em 1978, os Japan editaram nesse mesmo ano dois álbuns com alma rock’n’roll mas na verdade sem a real noção de um rumo para a sua música. Os discos passaram longe das atenções, mas acabaram por se tornar visíveis com o sucesso conquistado mais tarde. E numa entrevista ao DN no ano 2000, Sylvian deixava mesmo transparecer algum embaraço por esses primeiros discos. “Gostaria que hoje não estivessem disponíveis ao público. Cresce-se, erra-se e falha-se em público. E aprende-se muito mais com os erros que com os sucessos (14). Martin Power reconhece em The Last Romantic que o músico aprendeu a lição. “Ao contrário de muitos dos seus contemporâneos, David Sylvian sempre admitiu rapidamente os seus erros, não apenas para procurar deles se afastar como para procurar uma penitência pública. E há aqui uma honestidade para consigo mesmo. Ao mesmo tempo sempre foi a mais relutante das estrelas. Mesmo nos dias de maior fama dos Japan era reconhecido por evitar entrevistas e sessões fotográficas preferindo a companhia de um bom livro às oportunidades da autopromoção (15).”

'Tin Drum' (1981)
Em 1980, o álbum Quiet Life mostrava uma banda transformada e, finalmente, sob um caminho mais bem definido que meses depois originaria Gentleman Take Polaroids e, já em 1981, Tin Drum, a obra-prima dos Japan e um dos álbuns mais inventivos e marcantes da pop dos anos 80. “Havia algo no núcleo da ideia do que eram os Japan. Uma ingenuidade, mas também uma teimosia e uma vontade. E um desejo de encontrar um território próprio que pudéssemos ver como nosso. Essa busca foi longa e só deu resultados reais com o Tin Drum. Passámos aqueles anos à procura”(16), reconheceria quase 20 anos depois de editado o disco por alturas em que lançava Everything and Nothing, antologia que revisitava momentos importantes da sua discografia e ao qual chamava a canção-chave do alinhamento desse derradeiro álbum de originais dos Japan: Ghosts. Se The Tennant (17), um discreto instrumental composto ao piano que encontrávamos no alinhamento de Obscure Alternatives (de 1978) tinha sugerido novos horizontes a explorar, Ghosts foi mesmo uma revelação. A canção, defendeu Sylvian, “é o momento da descoberta de uma personalidade própria em termos de escrita, embora o Brilliant Trees (18) seja o primeiro depoimento totalmente coerente”. O reconhecimento desse instante fundador subsiste 12 anos depois dessa antologia, tanto que o tema que abre Victim Of The Stars (1982-2012) é precisamente Ghosts. “É uma canção que tem ligações muito fortes com o que estou a fazer a solo. Por essa ordem de ideias, é fácil reconhecer porque há muitas canções dos Japan que não consigo hoje tocar”(19) explicou em tempos em entrevista ao DN. Pelo que fica claro que qualquer ideia de reencontrar o que foram os Japan não fará sentido no quadro da sua visão enquanto músico. E ele mesmo sublinhou que nunca viu os Rain Tree Crow (20) como uma reunião do seu velho grupo: “Os Japan foram um tempo e um lugar, uma visão da vida, uma motivação própria. Não eram apenas aquelas quatro pessoas. Quando nos reencontrámos, foi interessante e entusiasmante estarmos de novo a trabalhar juntos. Mas o contexto era diferente. Um tempo novo, um lugar novo, um contexto diferente. E uma banda diferente. Mas, de qualquer modo, estávamos a descobrir como explorar o nosso relacionamento com as nossas vivências musicais. Era uma reunião, mas sobretudo uma renovação que nos permitiu experimentar coisas que não tínhamos feito enquanto Japan (21).”

(9) Ryuichi Sakamoto (n. 1952) – compositor, pianista e cantor japonês, integrou a Yellow Magic Orchestra, banda pioneira da pop eletrónica nos anos 70. Coassinou com David Sylvian os singles ‘Bamboo House’ / ‘Bamboo Music’ (1982), ‘Forbiden Colours’ (1983) e ‘World Citizen’ (2003) e colaborou em discos como ‘Brilliant Trees’ (1984), ‘Alchemy: An Index Of Possibilities’ (1985), ‘Secrets Of The Beehive’ (1987) e ‘Dead Bees On A Cake’ (1999). Em contrapartida convidou Sylvian para colaborações no álbum 'Heartbeat' (1991). Trabalham ainda juntos no EP _‘Zero Landmine’ (2001)
(10) Glam rock – fenómeno musical centrado em canções de melodismo insistente e com as guitarras como protagonistas. Um aparato visual exuberante (muitas vezes expressando um interesse pela androginia) é característica marcante deste movimento.
(11) New York Dolls – banda rock americana considerada um caso do proto-punk, com obra mais marcante em inícios dos anos 70. O seu guitarrista era Sylvain Sylvain
(12) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 27 março de 1999
(13) ibidem
(14) in ‘Um Lento Olhar’, entrevista a David Sylvian publicada no DNmais a 28 de outubro de 2000
(15) in ‘The Last Ronmantic’, de Martin Power (Omnibus Press, 1998), pág. 102
(16) in ‘Um Lento Olhar’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 28 de outubro de 2000
(17) David Sylvian, em entrevista ao DN no ano 2000, explicou que essa foi a primeira composição que escreveu ao piano, instrumento ao qual tinha então acesso pela primeira vez, representando esse um momento que “indicou as mudanças vindouras”.
(18) O seu álbum de estreia a solo, lançado em 1984
(19) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 27 março de 1999
(20) Banda que resulta de um encontro de Sylvian com os também ex-Japan Mick Karn, Steve Jansen e Richard Barbieri. Editaram um +unico álbum em 1990 ao qual chamaram ‘Rain Tree Crow’
(21) in ‘O Desejado’, entrevista a David Sylvian publicada no suplemento DNmais a 27 março de 1999