Dali’s Car
“InGladAloneness”
MK Records
3 / 5
O contexto era diferente. Em 1984, dois dos mais marcantes grupos que a cena pop/rock britânica havia conhecido entre finais dos setentas e inícios dos oitentas tinham arrumado as malas a um canto (devendo acrescentar-se aqui que, na verdade, vida dos Japan remontava a meados dos anos 70, apesar da sua visibilidade e consequência ser já coisa dos 80). Os Bauhaus tinham já vivido em claro regime de cada-um-por si no álbum Bruning From The Inside de 1983 (e em breve todos, menos Peter Murphy, embarcariam nos Love and Rockets). Os Japan tinham-se separado após derradeira digressão em finais de 1982, lançando em 1983 o duplo ao vivo Oil and Gold que a retrata. Por essa altura tanto David Sylvian como Mick Karn tinham gravado singles a solo, o segundo tendo registado um deles (After A Fashion) em colaboração com Midge Ure, dos Ultravox e já lançado um álbum em nome próprio (o pouco visível Titles, em 1982). É nesse momento de clara partida para outra etapa que Peter Murphy (a voz dos Bauhaus) de junta a Mick Karn (o baixo e o clarinete dos Japan) para formar os Dali’s Car (que na verdade se apresentava como um trio, completado pelo percussionista Paul Vincent Lawford). Editaram um único álbum, The Waking Hour, onde apresentaram um conjunto de canções em cenário plasticamente elaborado segundo marcas de uma produção muito característica das ferramentas da época. Mesmo datado, The Waking Hour é uma interessante experiência; um exercício de busca que lançava sugestões que, contudo, não teriam desenvolvimento nem consequência nos anos que se lhe seguira, dedicando-se tanto Peter Murphy como Mick Karn a carreiras a solo. Ambos reencontraram mais tarde os velhos colegas. Murphy numa série de digressões (e de um medíocre novo disco) dos Bauhaus; Karn num reagrupar de esforços dos ex-Japan todavia sob a designação Rain Tree Crow. E são as coordenadas do trabalho de produção que Karn ensaiou nesse contacto com os velhos parceiros que parecem conduzir a reunião dos Dali’s Car, anunciada em 2010 mas interrompida antes de ganhar a forma desejada pela morte do baixista em inícios de 2011. InGladAloneness é por isso o registo do trabalho concluído onde, além dos dois protagonistas, contamos ainda com colaborações como as do ex-Japan Steve Jansen (bateria) e Paul Lawford (o percussionista que participara no álbum de 1984 dos Dali’s Car). Um EP de cinco temas onde encontramos dois inéditos (King Cloud e Sound Cloud) uma nova vida, no formato de canção para um instrumental de Waking Hour (Artemis Rise), uma visão sobre um tema tradicional (Subhanallah, onde se expressam marcas da vivência de uma cultura que Murphy tomou como seu espaço desde que vive na Turquia) e uma versão de Ne Me Quittes Pas, de Brel. Sentem-se as heranças diretas do primeiro encontro entre ambos (sobretudo no investimento numa ideia de cenografia elaborada), os dois temas de abertura abrindo espaço a uma luminosidade pop (sobretudo visível em Sound Cloud) que revela os melhores momentos da obra de Murphy desde o EP Recall, de 1997 e um reativar de uma relação mais próxima com a canção que Karn explorou em momentos do seu Dreams Of Reason Produce Monsters, de 1987. Já Artemis Rising é espaço mais tenso e denso, menos dado às luzes, cabendo às versões outros pólos de expressão dos horizontes largos dos Dali’s Car, ora escutando ecos de tradições ora ensaiando abordagens a uma música mais interessada no definir de espaços que na focagem dos acontecimentos na frente do palco, no Brel sentindo-se mesmo ecos de uma certa ambiência mais próxima de alguma música contemporânea pós-minimalista (escola Wim Mertens e periferias), expressando esses dois temas o espaço mais vibrante onde, quem sabe, poderia ter nascido o gume das ideias que conduziriam ao álbum que acabaram por não poder concluir. Projeto inacabado, o EP de 2012 dos Dali’s Car é mais uma carta de intenções que uma obra concluída. Está longe de ser uma obra-prima, e não terá o impacto entre os seguidores das coisas alternativas como sucedeu com o álbum de 1984. Mas é pena que se esgote na atenção dos admiradores mais atentos dos universos Bauhaus e Japan, como certamente irá suceder.