domingo, maio 20, 2012

Entrevistas de arquivo:
Sigur Sós (2004) - parte II

Segunda parte de uma entrevista com Jonsi, o vocalista dos Sigur Rós, realizada em Roma em 2004. Esta entrevista foi originalmente publicada no suplemento DN:música.

Muitos textos, ao falar dos Sigur Rós, costumam afirmar que a vossa música reflecte a paisagem islandesa. Isto, naturalmente, escrito por quem nunca foi à Islândia! A ideia corresponde mesmo à realidade?
Algumas dessas ideias são mesmo verdadeiras, sim. O espaço é marcante para qualquer um. Imaginemos Nova Iorque… Eu teria problemas em fazer música por esses lados. Não há espaço, só arranha-céus. A nossa música reflecte o espaço que temos na Islândia.

E aquela coexistência de fogo e gelo, os vulcões e glaciares, também característicos da Islândia?
Também pode fazer sentido, sim.

Porque é que os músicos islandeses, mesmo depois de obter sucesso, continuam a viver na Islândia?
Há aquele velho cliché de querer sempre estar noutro lugar… Mas para nós sabe bem estar na Islândia. Vivemos lá os quatro e gostamos, pelo menos por enquanto. Temos a editora em Inglaterra, por isso quando estamos na Islândia somos apenas quatro pessoas a viver e fazer música. É mesmo bom, mantém-nos saudáveis e normais. E somos mesmo quatro pessoas normais a viver bem com os pés no chão. Fazemos as coisas normais, vamos aos cafés, lemos livros…

Como foi crescer numa ilha?
Eu cresci no campo. Bom, o campo é a poucos quilómetros de Reykjavik. E foi mesmo bom. Puro. Simples, sem preocupações… Não havia drogas.

Popp i Reykjavik
Um documentário, Popp I Reykjavik, de Agust Jacobson, no qual os Sigur Rós aparecem nos seus primeiros dias, dá-nos a impressão de existir uma forte cena underground na cidade. De onde vem?
Não sei bem de onde vem. Mas os islandeses sempre foram muito independentes. Se querem tocar têm de trabalhar para o fazer. Quando começámos foi assim. E mesmo depois de termos gravado a nossa música e de a estarmos a vender. Porque sentimos que não estava como queríamos. As pessoas sabem que para as coisas acabarem como querem, que as têm de fazer por si. Temos de tratar de tudo, de todos os pormenores. A cena é então uma coisa de muita dedicação e muita paixão. É diferente do que vemos em Inglaterra, por exemplo. Quem quer o seu espaço faz a sua banda, sem pensar necessariamente no sucesso. E depois temos muita escuridão, longos Invernos, que nos faz gostar de música e de a estar a tocar numa sala com outras pessoas. Há muita paixão. Esse é mesmo o ponto de partida.

E como é que a música entrou na sua vida?
Era muito novo… A minha primeira experiência deve ter sido, com os meus amigos, ouvir os Beatles ao dobro da velocidade no gira-discos. Depois tive a minha fase heavy metal. Só gostava de bandas de metal. Tive depois a fase mais hippie, durante a qual ouvi os Deep Purple e Uriah Heep. Passei ainda pelo grunge, com os Nirvana e outros. E, mais tarde, uma ligação à música mais ambiental.

Quando é que descobriu que tinha um instrumento tão poderoso na sua voz?
Nunca me tinha apercebido, porque era muito tímido. Quando tive as minhas primeiras bandas, aos 13 ou 14 anos, tocava apenas. E depois tive de cantar porque ninguém cantava. Cantava pouco, e baixinho, para ninguém reparar. E daí a coisa evoluiu… Mas nunca deixei de ser tímido. Ainda hoje não canto em casa. Só quando ensaiamos no estúdio ou na estrada. É apenas um músculo, que se treina e vai ficando melhor.

Ainda é tímido quanto à sua voz?
Não tanto como no passado, mas ainda um pouco. Por vezes é difícil estarmos a ouvir a nossa própria voz. Quando estou a falar, por exemplo, parece ridículo!

E ouve as gravações dos concertos?
Aí parece-me bem, não me envergonho tanto. Sinto que estou a melhorar até, e mais confiante.

'Von'
E o que sente ao ouvir os seus discos anteriores?
O Von foi mesmo uma experiência. Foi como quando se está num estúdio a aprender a mexer nas ferramentas, e por isso é muito ingénuo. Mas tem o seu lado interessante. O Agaetis Byrjun deveu-se a um tempo em que tínhamos já uma editora com quem trabalhar, e que nos arranjou um estúdio melhor, com um engenheiro a ajudar-nos a encontrar o som que queríamos e que nos ensinou muito sobre gravações. Disse-nos que o feeling, a entrega, era fundamental, e não apenas a correcta utilização das frequências. Aprendemos muito. E como tivemos mais dinheiro para fazer esse disco pudemos ir buscar cordas, metais, experimentar outras coisas. Está lá tudo, mas é um disco muito honesto. E temerário. O disco dos parênteses é mais denso e escuro, mas a continuidade.

E a colaboração com Merce Cunningham?
Foi muito interessante. Aprendemos muito. Foi interessante conhecer a companhia de dança e uma experiência musical muito boa. Foi claramente um projecto paralelo, e por isso pudemos experimentar mais.

Nos vossos discos “oficiais” há limites para a experimentação?
Há um som que queremos para os Sigur Rós como banda. E experimentamos dentro desse som. A melodia é muito importante. Faz a canção! Em projectos paralelos podemos ir adiante, parar onde quisermos.

Foi difícil ter um álbum como o Agaetis Byrjun, logo em início de carreira, descrito como uma obra-prima?
Não, porque deixámos de escutar essas coisas! (risos) Não lemos a imprensa musical. Não nos interessa o que se passa noutros locais. Há muitas coisas que não nos interessam. Basta ver a MTV! Ou ver as revistas de música mainstream, que são absoluto papel higiénico. Nunca vou à Internet ler o que dizem de nós.

Não seguem com atenção o que as outras bandas vossas contemporâneas estão a fazer?
Não. Mas talvez o devêssemos fazer! Talvez…

Nem mesmo nomes islandeses? Björk?
Nunca escuto a Björk nem tenho discos seus. Não é o meu estilo de música. O disco vocal pareceu-me um bom passo, mas ela podia ter trabalhado as coisas de outra maneira.

Quer isso dizer que não são contaminados? Num ou outro momento de Takk podemos pensar num Brian Eno. Por exemplo, em Andvari sente-se a escola minimal repetitiva por perto… Não reconhece estas referências?
Na verdade, não. Basicamente não nos preocupamos com mais que fazer o que temos a fazer. A repetição no final do Andvari veio num episódio em que estava numa casa de Verão a duas horas da cidade que me tinha sido emprestada por uns amigos. Uma casa antiga, bonita, onde estava a trabalhar, com privacidade, nas canções. Estava a trabalhar a secção final das cordas nessa canção. E veio aquela ideia de repetir aquele elemento tão relaxante.

O que diz da forma como o cinema tem usado a vossa música?
Gostei muito do Peixe Fora de Água [de Wes Anderson]. Há filmes onde a nossa música fica bem. Mas é horrível ver a nossa música num filme onde não faça sentido, talvez por estarmos tão ligados a ela… Mas isso não tem acontecido. Também tivemos música nossa no Mysterious Skin [de Gregg Araki].

E quando assinarão os Sigur Rós uma banda sonora por inteiro?
Um dia, sim. Gostaria de o fazer. Todos gostamos muito de cinema. E tem havido tão bom cinema! Mas teríamos de trabalhar com um bom realizador e um bom argumento…

Podem ler aqui a primeira parte desta entrevista