sábado, abril 21, 2012

Memórias de um "record store day"


Hoje é o Record Store Day de 2012. Há lançamentos especiais por todo o mundo e entre nós é maior que nunca a lista de lojas que se junta a esta celebração das pequenas lojas de discos. Antes de avançarmos pelos factos de 2012, deixo a memória do que era o meu “record store day” se hoje, sábado, estivesse em 1982... Já aqui evoquei parte desta história, mas hoje faz sentido voltar a esses lugares.

Os sábados (não todos, mas muitos deles) eram invariavelmente dias para as lojas de discos. Pelo menos as manhãs de sábado. Descendo do Largo do Carmo, o circuito começava invariavelmente na discoteca dos Armazéns Novo Figurino (com porta direta para a rua na Calçada medo Sacramento). Depois era atravessar a Rua Garrett para o outro lado e subir ao último andar dos armazéns Jerónimo Martins (e os discos ficavam mesmo junto às escadas). Uma das paragens mais longas era na Valentim de Carvalho da Rua Nova do Almada. Era uma multidão de singles e LPs. Depois passava pelas lojas de discos dos Armazéns do Chiado e do Grandella e, estando na Rua do Carmo, inevitavelmente passava pela Discoteca Melodia (a que tinha cabines individuais de escuta de discos e onde fazia a outra paragem mais longa) e pela Discoteca do Carmo, mais abaixo, onde chegavam as importações.

Em cada uma ouvia um disco. Habitualmente singles, escutando mais vezes os lados B, que os lados A eram os que já conhecia da rádio. Em tempo de aposta num álbum, lá se ouvia o alinhamento (ou parte) de um lado... E querendo conhecer melhor um artista mais “antigo”, ia selecionando faixas de álbuns, ouvindo uma aqui, outra ali. No fundo, em cada uma das paragens fazia audições. E no fim do circuito, e com habitualmente 120 escudos no bolso (60 cêntimos atuais), que era o preço de um single, era chegada a hora de escolher. Para um álbum, ou se esperava três semanas regressando de casa em duas delas com mãos a abanar (custavam perto de 360 escudos, ou seja, o preço de três singles), ou pelo aniversário e Natal, que era quando se tirava a barriga de misérias.
Nos dias de escola, havendo “furos”, dava para dar um salto à Compasso, em Campo de Ourique, não muito longe do liceu onde estudava. E na Av Álvares Cabral ainda havia uma pequena discoteca, perto da pastelaria Dione (e da qual já nem me lembro o nome) onde sempre dava para ouvir qualquer coisa de caminho para casa.

Havia quem comprasse cassetes, mas sempre optava pelo vinil. E muitas vezes consultava as listas de venda postal de lojas inglesas, enviando libras para lá, recebendo o pacote com o disco na volta do carteiro.

Mais tarde, já em tempos do CD, e com o Chiado apagado durante anos do mapa, o circuito apontava preferencialmente atenções à Bimotor nos Restauradores (onde chegavam importações todas as semanas), à Contraverso em pleno Bairro Alto (onde avançava por terrenos mais alternativos) e à VGM no Príncipe Real (onde os minimalistas e outros caminhos menos pop me chamavam).
As pequenas lojas independentes são as herdeiras destas lojas onde havia outro tempo para a música. Além da seleção à disposição do freguês, contava a relação com quem estava do outro lado do balcão. No atendimento e, acima de tudo, no saber sugerir... Pede este? Gosta? Experimente então aquele... Num tempo sem Internet (mas com uma rádio atenta à novidade e crente no seu papel enquanto divulgadora), a descoberta passava muitas vezes por sugestões de lojistas bem informados.



Trinta anos depois, o quinto Record Store Day celebra-se numa série de lojas de discos. Em Lisboa juntam-se à iniciativa a Carbono, Flur, Vinyl Experience, Trem Azul e a Louie Louie (esta última com lojas também no Porto e em Braga). No Porto o dia conta ainda com a CD Go. E há ainda que juntar a estas as lojas Wah Wah em Braga e Quebra Orelha, em Coimbra.

PS. Na imagem que abre o post vemos, numa imagem da Rua do Carmo em noite de quadra natalícia, o anuncio luminoso da Discoteca Melodia.