sábado, abril 21, 2012

Cinema português: a estética do Bairro Alto

Em algum cinema português, de que o filme Assim Assim constitui o exemplo mais recente, o Bairro Alto já não é um lugar, mas um ícone fechado de uma simbologia simplista — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Abril), com o título 'Um filme encalhado no Bairro Alto'.

É, talvez, a altura de dizer algo sobre a “estética do Bairro Alto” que foi tomando conta de diversos filmes portugueses. Não sobre o Bairro Alto, entenda-se, os seus habitantes ou lugares. Antes sobre um parasitismo narrativo que transforma o Bairro Alto em pretexto obrigatório de um sistema de convenções dramáticas que se repetem até à exaustão.
O filme Assim Assim, de Sérgio Graciano, ficará, por certo, como uma síntese de tal estética. São três os seus vectores principais: primeiro, todas as personagens falam sobre sexo como uma espécie de língua franca e isso é suposto funcionar como um índice de “actualidade”; segundo, quase todos enganam ou tentam enganar alguém e isso é suposto reflectir as crises dos “casais modernos”; terceiro, há sempre algum momento em que a violência física pode eclodir e isso é suposto envolver algum “retrato social”. Estamos, como é óbvio, num espaço formatado, derivado das telenovelas, dominado por um “realismo” que confunde a banalidade dos diálogos com a desmontagem da banalidade que, garantem-nos, existirá no nosso viver colectivo.
Os actores são os que mais sofrem, quanto mais não seja porque estão condicionados a funcionar no interior de uma linguagem simplista que confunde a “agitação” física com a exposição de emoções ocultas. Alguns, como Albano Jerónimo ou Rita Blanco, conseguem resistir a tal linguagem, mas chega a ser penoso ver outros, muito talentosos, perdidos numa lógica tristemente caricatural. É esse, aliás, um fundamental princípio da “estética do Bairro Alto”: cada ser humano define-se pela maior ou menor distância em que se situa face à sua própria caricatura. Assim Assim consagra, por isso, a mesma decomposição de valores humanistas que, todos os dias, triunfa nas telenovelas.