sábado, abril 21, 2012

França: esquerda / direita

1. Direitas e esquerdas partilham uma mesma ilusão narcisista. A saber: acreditam que a divisão do mundo em "direita/esquerda" esgota as ideias, os pensamentos, as utopias e o bom senso.

2. Dir-se-ia que promover um ideal purista, mais ou menos "new age", ao mesmo tempo que se ridiculariza os adversários, são regras eminentemente de direita. Em boa verdade, são mecanismos intermutáveis, como se prova na edição de hoje do Libération. Assim, a ideia de uma "esquerda forte"(*) exprime-se na primeira página do jornal através de uma paisagem abstracta (azul do céu + azul do mar), de parco romantismo, expelindo qualquer inscrição precisa no mundo material. Ao mesmo tempo, no suplemento, os adversários (reunidos num "almoço de direita") são caricaturados por uma velha acumulação de factores "negativos" que passam pelas sugestões de riqueza, hiper-consumo e arrogância.

* Em qualquer caso, e no plano do discurso, importa não esquecer que se trata de uma derivação da "França forte" de Nicolas Sarkozy, numa curiosa "perversão" das palavras de ordem do outro campo.

3. Na prática, a esquerda parece só sentir-se coesa e consistente quando descreve os "outros" como os que perderam a pureza (idealizada) que lhe pertence — em boa verdade, trocando os nomes, a direita só pode reconhecer-se em tal discurso. Não é que estejam todos a dizer o mesmo, mas há muitos adversários afinal unidos pela mesma recusa de questionar os padrões, matrizes e discursos tradicionais da política (jornalismo incluído).