terça-feira, março 06, 2012

'Shame': agora a vez da música

Perante a série de interessantes reflexões que o filme tem lançado, não vamos gastar muito mais tinta (virtual, naturalmente) sobre a obra em si... Certo sendo porém que Shame, de Steve McQueen, que entre nós estreou na última semana sob o título Vergonha, é mesmo um dos grandes acontecimentos cinematográficos do ano, firme nos feitos de soberbos trabalhos que passam pela própria realização, um argumento notável, espantosas interpretações (tanto de Michael Fassbender como de Carey Mulligan) e uma utilização da cidade como mais que um mero cenário habitado: uma Nova Iorque que, por muito claras que sejam as referencias a lugares – da estação de metro na rua 28 ao passeio frente ao Madison Square Garden – não deixa de ser uma cidade moldada pelas necessidades da ficção que a narrativa pede. Na verdade há aqui referências de várias etapas da história da cidade que assim se juntam num momento comum, mas isso fica para outro dia... Falemos hoje de música.


À espantosa partitura original de Harry Escott (que acompanha alguns momentos-chave junto do protagonista), às interpretações de Bach por Glenn Gould ou à leitura frágil e magoada de Carey Mulligan do histórico New York New York, Shame convoca uma série de clássicos que ajudaram a moldar um tempo de construção de novos rumos para a canção pop. São eles I Want Your Love, canção de travo disco que surgiu no alinhamento do “clássico” álbum C’est Chic (1978) dos Chic, o single Rapture, de Blondie (1980), um dos primeiros exemplos de integração de elementos da cultura hip hop no quadro de uma canção pop ou Genius Of Love, o single que em 1981 nos apresentava os Tom Tom Club. E o que há de comum em todas elas? A cidade de Nova Iorque. E, depois da euforia disco, refletindo um tempo de regresso da música de dança aos espaços da noite. Coisa festiva (ou talvez mais aparentemente festiva) sob a ilusão das luzes. As canções, tal e qual a música de Bach, chegam a ter uma presença diegética na ação e ajudam a moldar a figura do protagonista (cujo pequeno apartamento em Manhattan é minimalista em quase tudo salvo numa série de prateleiras cheias de discos de vinil.

Note-se que a edição em disco da banda sonora optou (inteligentemente) pela integração destas três canções, juntamente com as peças interpretadas por Gould, o registo de Carey Mulligan e pontuais incursões pelo jazz (Coltrane, Baker), juntando assim elementos marcantes da voz de Shame à música (magnífica, volto a sublinhar) que Harry Escott criou para vincar a assombração de profunda solidão e desencanto que caracteriza o protagonista.

 

Imagens de uma atuação televisiva dos Chic ao som de 'I Want Your Love'

 

Imagens do teledisco original de ‘Rapture’, dos Blondie



Imagens do teledisco de 'Genius Of Love', dos Tom Tom Club