Nos tempos primitivos da fotografia, algures em meados do século XIX, os mais poderosos encomendavam a sua imagem, atribuindo ao fotógrafo a responsabilidade de ilustrar e, num certo sentido, legitimar a sua diferença na hierarquia social: eles tinham algo — a imagem, precisamente — a que os mais pobres não podiam aceder, a não ser pela arte (dos outros).
Os tempos mudaram. E muito. No século XXI, com a proliferação de canais virtuais, qualquer um, entre os extremos do narcisismo banal e da arrogância identitária, pode expor a sua imagem como um efeito de assinatura: este é o meu corpo, diríamos, se o pudor a tanto nos autorizasse.
Resta saber se não nos perdemos nesta ilusão de dizermos que estamos onde está a nossa imagem. Madonna, hélas!, nunca se enganou nessa aventura. Da idade heróica em que "duplicava" Marilyn Monroe até ao presente irónico dos seus juvenis 53 anos (nasceu a 16 de Agosto de 1958), a eterna Material Girl sabe que a exposição envolve sempre elaboradas formas de ocultação.
Assim acontece, uma vez mais, na distanciação festiva (contradição exemplar do seu universo) da capa do novo álbum, MDNA. Reencontrando alguns talentosos cúmplices — Mert Alas & Marcus Piggott na fotografia, Giovanni Bianco no design — Madonna é, de uma só vez, um rosto reconhecível e um fantasma inacessível. Daí a admirável perversidade formal do título: ao lermos "MDNA", refazemos mentalmente a palavra "M-a-D-o-N-n-A", compreendendo, afinal, que o celebrado mundo das imagens é apenas uma variação material sobre o primado da escrita. Diz-me como me lês...