Michael Rieger/ FEMA News Photo |
Perspectivas sobre um dia que ninguém esqueceu para ler ao longo deste dia 11 de Setembro de 2011 no Sound + Vision. Dez anos depois recordamos, a várias vozes, memórias contadas na primeira pessoa... Aqui ficam mais três olhares, assinados por Miguel Vale de Almeida, Maria João Caetano e Gonçalo Frota.
Miguel Vale de Almeida
(antropólogo e autor do blogue Os Tempos que Correm)
Pois eu estava no Feira Nova de Telheiras, hoje um Pingo Doce. Tinha acabado de comprar um leitor de DVD para a o meu pai. O meu pai fazia anos no dia seguinte. O meu pai tinha cancro e morreria no ano seguinte. A mim apetecia-me um café. Nem que fosse naquele balcãozinho deprimente a caminho do estacionamento. O empregado olhava para uma TV e não tinha expressão na cara. Um avião atravessava um arranha-céus. Senti: 1) espanto; 2) atração; 3) obscenidade (eu não devia estar a ver aquilo, aquilo não devia ser visto, aquilo não devia poder ser visto). Liguei ao meu companheiro, acho, não sei bem. Fui para o carro, fui para casa, fui para a TV. But there it is: perguntem-me onde estava e penso em hipermercados, em obscenidade, em DVDs, em TVs, em cancros, em cafés, em companheiros de outrora, e em parques de estacionamento.
Texto publicado hoje no blogue Os Tempos Que Correm
Maria João Caetano
(jornalista do DN)
Estava um dia cinzento, com muitas nuvens no céu e um ar abafado, e lembro-me de estar, já depois das notícias, em pleno casino do estoril a entrevistar uma actriz glamorosa e, de repente, a meio da conversa, ficámos a olhar uma para a outra e percebemos que nada daquilo fazia sentido, que não podíamos estar ali a falar de teatro e subsídios e tretas enquanto esperávamos que as torres se desmoronassem. Como se fosse blasfémia falar ou pensar noutra coisa qualquer ao mesmo tempo que havia pessoas a lançar-se em desespero do centésimo andar.
Gonçalo Frota
(jornalista)
Para mim, o 11 de Setembro é um filme. Lembro-me de chegar à redacção do Blitz e estar toda a gente ao fundo, à roda de um televisor e sem qualquer disponibilidade para o mundo em volta. Lembro-me de chegar, ficar entre o “bom dia” e o “que se passa?”, estar ainda a meio de uma rápida explicação confusa e nervosa, e então ver um segundo avião mergulhar na segunda torre. Em directo. E é esta ideia, do directo, de uma imagem (repetida quantas vezes?) que isola todo o acontecimento, que joga mais forte do que a sensação de que, desde que somos gente, Nova Iorque é uma cidade que nos pertence pela familiaridade com que nos entra casa adentro. Através da mesma televisão. Nunca fui a Nova Iorque. Espreitei para o buraco negro do Ground Zero igualmente através do ecrã, num outro filme do Spike Lee. Para mim, o 11 de Setembro é um filme. Não porque o tome por ficção, evidentemente. Mas porque a sua evocação implica sempre o arranque dessa imagem demasiado presente na memória colectiva. E que, em grande medida, transforma a História diante dos nossos olhos – não me lembro de nenhuma outra tragédia transmitida em directo, com o mundo todo a assistir ao mesmo tempo, e que pudesse ser tão perfeitamente resumida em cinco segundos de vídeo. Faz-me pensar em todos os sítios onde não há câmaras. Faz-me pensar no controlo remoto de Michael Haneke em Funny Games. O 11 de Setembro é um filme. Sem controlo.