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Perspectivas sobre um dia que ninguém esqueceu para ler ao longo deste dia 11 de Setembro de 2011 no Sound + Vision. Dez anos depois recordamos, a várias vozes, memórias contadas na primeira pessoa... Aqui ficam mais três olhares, assinados por Eduardo Pitta, Vitor Belanciano e Nuno Carvalho.
Eduardo Pitta
(escritor e autor do blogue Da Literatura)
Almoçava perto do Marquês quando o primeiro avião embateu contra a Torre Norte do WTC. O Jorge telefonou, achei a história mal contada, pedi profiteroles. Passados 15 minutos, novo telefonema: outro avião tinha chocado contra a Torre Sul. Estão a dar em directo! Remake pós-moderno da Guerra dos Mundos de Wells/Welles?
Corro para o metro. Entro em casa no momento exacto em que a televisão repete o segundo embate. Aviso o ministério de que estarei ausente nessa tarde. Saberemos mais tarde (sem direito a imagem) que o Pentágono foi atingido por um terceiro avião. E depois um quarto estatelado nos campos da Pensilvânia, no que parecia o flop de um ataque à Casa Branca.
Duas televisões: horror em directo e em quatro línguas. Telefones em uso até de madrugada. Tensão crescente. Bush a bordo do Air Force One. A América entrou em guerra? Internet ligada no HP. Amigos a dois quarteirões do desastre. Alprazolam e ovos mexidos. Catarse. Noite em branco.
Tinha começado o século XXI.
Vítor Belanciano
(jornalista do Público)
Tinha acabado de chegar à redacção do Público, vindo do almoço, quando se deu o segundo embate nas Torres Gémeas. Quando olhei para a TV tive a impressão que tantos outros tiveram: parecia um filme. Num segundo momento percebi que não era. Recordei-me que era para estar em Nova Iorque nesse dia por questões profissionais. Tentei telefonar a pessoas amigas que se encontravam na cidade. Só mais tarde viria a consegui-lo. No dia seguinte parti para Cabo Verde em trabalho. Durante dois dias não larguei a TV do hotel. Só mais tarde comecei a desenhar dentro de mim o mapa dos acontecimentos. Mais do que uma “guerra de civilizações”, o que descortinei foi um conflito no interior do próprio mundo Ocidental. Continuo a achar que o terrorismo islâmico resulta em grande parte de uma excrescência do capitalismo Ocidental, como Zizek mostra, comparando o Marlon Brando (Coronel Kurtz) de Apocalipse Now a Bin Laden. Continuo a achar que a utilização da força que se seguiu por parte dos EUA enfraqueceu a “liderança moral” do Ocidente. Continuo a achar que ainda não conseguimos extrair todas as consequências sobre o que aconteceu naquele dia.
Nuno Carvalho
(jornalista do DN e autor do blogue O Reino das Sombras)
Para a geração dos meus pais, cujo grande marco temporal foi o 25 de Abril de 1974, a pergunta sacramental era: “Onde estavas no 25 de Abril?” Para a geração a que pertenço, a dos nascidos depois dessa data, talvez o grande marco colectivo seja o 11 de Setembro de 2001. Assim, a pergunta sacramental para a “minha” geração seria: “Onde estavas no 11 de Setembro?” O meu dia 11 de Setembro de 2001 foi sintomático do meu espírito algo alheado do mundo dos factos reais: estive todo o dia na Biblioteca Nacional (tinha então 24 anos, estava há um ano no Diário de Notícias, mas nesse dia não estive na redacção, o que depois viria a lamentar, porque foi um dia único na vida do jornal), e só fiquei a par do que tinha acontecido quando, por volta das sete da tarde, ao regressar a casa, o Nuno [Galopim] me telefonou a contar o sucedido. Liguei a televisão, e as primeiras imagens que vi foram as do WTC a arder. Mas, nessa altura, as torres já tinham caído. Vi tudo “em diferido” (o que não deixa de ser uma boa metáfora para alguém que vive com um considerável delay em relação ao momento presente).