Este texto é uma versão editada de um outro publicado na edição de 23 de Agosto do DN com o título “Uma sinfonia com alma política”.
A ECM lançou recentemente em disco a Sinfonia Nº 4 de Arvo Pärt, numa gravação com a Filarmónica de Los Angeles, dirigida por Esa-Pekka Salonen. Estreada em Los Angeles em Janeiro de 2009 pelo mesmo maestro e orquestra (o disco inclui a gravação dessa mesma interpretação), a Sinfonia N.º 4 sucede a três outras sinfonias compostas entre 1963 e 1971, numa etapa em que Arvo Pärt vivia numa Estónia que era então uma das 15 repúblicas da URSS. Antes, portanto, da decisão de encontrar nova casa num outro país (acabaria por se radicar na Alemanha), consequência de momentos de tensão que vivera com as autoridades soviéticas. Trinta e oito anos depois da terceira sinfonia, esta “quarta”, que se apresenta com o sub-título “Los Angeles” (em virtude da orquestra que a estreou ter sido uma das entidades a solicitar a sua encomenda) apresenta uma música com uma dimensão trágica que segue o que entretanto o compositor definiu como uma linguagem muito pessoal. Atribuindo um protagonismo às cordas, a música apresenta-se dividida em três andamentos nos quais se reconhecem características de uma escrita que há muito procurou caminhos ao escutar a música eclesiástica ortodoxa, na assimilação da repetição e numa relação próxima com as periferias do silêncio.
Ao longo da história o universo das artes reflectiu por vezes o mundo político ao seu redor. E nos últimos anos várias foram as ocasiões em que figuras e factos reais serviram de base a grandes composições musicais, seja quando Steve Reich lembrou a memória do jornalista Daniel Pearl (nas suas Daniel Variations), John Adams recordou o sequestro do navio Achille Lauro (em The Death of Klinghoffer) ou Osvaldo Golijov evocou Garcia Lorca (na ópera Ainadamar). Arvo Pärt, que tem dedicado grande parte da sua obra à exploração de textos religiosos e à expressão de um relacionamento com a cultura cristã ortodoxa, acaba de juntar uma contribuição a esta história feita de música e política nesta sua nova sinfonia que dedica ao russo Mikhail Khodorkovsky, preso desde 2003. Contudo, foi o próprio Arvo Pärt quem, citado num texto que acompanha esta gravação da Sinfonia N.º 4, sublinha que esta música não deverá ser entendida num contexto exclusivamente político já que a vê antes como a "expressão de um grande respeito por um homem que encontrou um fundo moral numa tragédia pessoal", justificando o tom trágico da obra como "não uma lamentação por Khodorkovsky mas uma vénia ao grande poder do espírito (...) e da dignidade humana".
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O disco agora editado junta à gravação da Sinfonia Nº 4 alguns "fragmentos" de Kanon Pokajanen, em gravação pelo coro de câmara da Filarmónica da Estónia, dirigido por Tönu Kaljuste.