domingo, setembro 05, 2010

O Afeganistão visto dos EUA

Brothers/Entre Irmãos é um caso exemplar de abordagem da retaguarda da guerra no Afeganistão -- este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 de Setembro), com o título 'A guerra, a política e a família'.

Os espectadores americanos não têm mostrado grande disponibilidade para os filmes sobre o envolvimento militar no Afeganistão e no Iraque. Mesmo com os seus seis Oscars, incluindo o de melhor filme de 2009, o próprio Estado de Guerra/The Hurt Locker, de Kathryn Bigelow, foi apenas um sucesso mediano. Sem querer favorecer a “sociologia” de telejornal, parece claro que as suas componentes despertam resistências várias, por certo porque a guerra não se esgota na geopolítica: é também algo que se entranha no quotidiano de muitas famílias.
Entre Irmãos, de Jim Sheridan, aposta em filmar os ecos dos combates no Afeganistão, precisamente a partir desse quotidiano. O desaparecimento de um soldado (Tobey Maguire) no teatro de guerra é-nos apresentado, sobretudo, através da vivência da sua mulher (Natalie Portman) e do irmão (Jake Gyllenhaal). Dito de outro modo: estamos longe do tom convencional do “filme de guerra”, prevalecendo um registo melodramático, capaz de dar conta da imbricação das questões políticas com a organização social e, em última instância, os valores do espaço familiar. Essencial em tal registo é o trabalho específico dos actores, notáveis de complexidade emocional, incluindo alguns secundários como Sam Shepard, Mare Winningham e Carey Mulligan.
Se se justifica evocar alguma herança clássica para situar Entre Irmãos, talvez a encontremos na abrangência humana e nos princípios humanistas do cinema de John Ford (foto), também ele um retratista de várias frentes de combates (em especial da Segunda Guerra Mundial). Podemos, aliás, acrescentar uma inevitável sugestão simbólica: Ford era um americano de ascendência irlandesa; Sheridan é um irlandês a filmar na América.