
A Comic-Con de San Diego, Califórnia, é um misto de mercado e celebração que, embora com raízes na banda desenhada, acabou por integrar o cinema, em particular nas suas expressões mais espectaculares. Na prática, por lá passam os protagonistas de algumas estreias dos meses seguintes, centrais na estratégia comercial de Hollywood. A edição deste ano (22-25 Julho) fica marcada pela presença de muitos actores veteranos, de algum modo contrariando as tendências da cultura “adolescente” que prevalece nas salas de cinema, em particular durante o Verão.
Num curioso artigo publicado no New York Times (dia 23), Michael Cieply e Brooke Barnes descrevem mesmo a presença de tais veteranos (Bruce Willis, Sylvester Stallone, Helen Mirren, etc.) como um sinal revelador de resistência a alguns vectores do actual mercado, em particular o incremento do 3D: a vaga digital que o cinema está a viver (sendo o 3D a sua mais agressiva imagem de marca) não excluiu, antes parece poder revalorizar, o estatuto dos actores e, em particular, o valor comercial e simbólico das estrelas.

O problema não é simples nem novo. E é de natureza eminentemente educacional. Em boa verdade, nas últimas duas décadas agudizou-se com os espectadores cuja formação audiovisual passou a ser dominada pelos ecrãs televisivos e de computador. Podemos pressentir a sua complexidade face ao relançamento, em DVD, de Lawrence da Arábia (1962), a obra-prima de David Lean sobre T. E. Lawrence, protagonizada por Peter O’Toole.
O drama não é apenas que possa haver espectadores, de olhar “viciado” no digital, que se limitem a encolher os ombros face à sofisticação narrativa e riqueza humana do cinema de Lean... O drama nasce da eventual redução de Lawrence da Arábia à superfície do ecrã caseiro (seja ele qual for), desconhecendo em absoluto a sua pertença a uma idade de ouro do grande espectáculo cinematográfico. De facto, quando Lawrence da Arábia estreou, o cinema era um fenómeno muito mais central na dinâmica social do que é hoje em dia. E não se trata de estabelecer hierarquias de “melhor” e “pior”. Acontece que a ignorância de tudo isso limita a nossa disponibilidade, e também a nossa inteligência, enquanto espectadores.