segunda-feira, dezembro 28, 2009

O planeta a quem o habita

Não é preciso ver uma projecção da versão 3D de Avatar para reconhecer que o filme que acaba de devolver James Cameron aos cinemas é um dos acontecimentos do ano. E reduzi-lo a uma mão cheia de feitos técnicos é igualmente incompleta visão sobre um filme que, mesmo assentando a sua criação e visibilidade mediática sobre todo um discurso tecnológico, não deixa de ter outros argumentos “clássicos” capazes de igualmente suportar um outro tipo de leitura. Ficou já claro que gostei de Avatar… Não é, nem por perto, um 2001, Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick. Mas não é apenas pelo arsenal 3D que vai entrar na história dos grandes filmes de ficção-científica. Está longe de ser o filme do ano. Mas está longe também de ser um desastre!

É verdade que, na essência, a história não traz nada de surpreentemente novo… Mas não deixa de ser significativo que, num ano em que se discute o futuro de uma política ambiental para a Terra e chega ao fim uma década que raras vezes conheceu dias sem a palavra guerra nos noticiários, entre em cena um filme que coloca, precisamente, uma visão ecologista e uma perspectiva anti-belicista no tutano da acção.

Em traços largos, esta é a história de um mundo distante - onde se chega após alguns anos em repouso criogénico (leia-se, a dormir) - no qual um posto avançado humano instalou uma exploração mineira. O ambiente natural em volta da base é descrito como “hostil”, guarda supostos perigos e uma espécie nativa pré-tecnológica (os Na’vi, de pele azul) que vive em harmonia com a natureza e céptica quanto aos efeitos da presença humana no seu mundo.

Entre um novo contingente de recrutas para a equipa de segurança que acompanha a missão mineira chega um paraplégico, ex-marine, a quem é confiada uma missão: entrar numa comunidade nativa, ganhar a confiança da população e no fim passar para a companhia mineira os… "planos da pólvora" (ou seja, o plano de uma árvore gigantesca que serve de abrigo à comunidade mas que mora sobre o mais rico jazigo do mineral que os humanos querem extrair). Há dois cenários em jogo: ou Jake Sully (o antigo marine) convence os Na’vi a deixar a árvore, ou a força bruta entra em cena… E como chega Jake ao povo nativo, neste mundo onde a atmosfera é venenosa para os humanos? Projectando a sua mente num corpo de um Na’vi clonado… um avatar.

É claro que os Na’vi não se mudam. As bombas entram em acção, matam que se fartam, deixam tudo em cacos... E os sorrisos, no fim do primeiro round, acabam estampados tanto no rosto do chefe da equipa de segurança (o típico brutamontes com cicatriz e tudo) como do responsável da companhia mineira que, para todos os efeitos, é o chefe da operação. Mas, rendido aos Na’vi, tal como o fora antes a responsável científica que os estuda e ao planeta Pandora onde vivem (interpretada por Sigourney Weaver), Jake Sully revolta-se perante a acção dos seus. Muda de camisola… E na segunda parte joga pela outra equipa…

No fundo, na essência (e reconhecendo naturalmente as devidas distâncias) parece haver um possível parente próximo da narrativa que suporta Avatar. Chama-se Dune (sim, o de Frank Herbert, que serviu de base ao mais atípico dos filmes de David Lynch)… Como? Conta a história de um mundo distante que chama atenções exteriores pelos seus recursos naturais que são explorados tal como numa mina se extrai um minério. Um mundo que é dominado por forças ocupantes, aos nativos (os Fremen) não restando senão uma vida de resistência… Até que chega alguém, que começa por ser um elemento da força ocupante. Alguém que se vê inesperadamente do outro lado da barricada… Que aprende os modos de vida da população local e acaba como seu líder na revolta contra o opressor… Tudo isto com um subtexto ecologista por fundo, aqui com um deserto em lugar do verde das florestas de Pandora.

Em Avatar, além de assimilar esta mesma medula narrativa algo aparentada com Dune, James Cameron junta algumas ideias mais às quase três horas de filme. Cria um espantoso mundo natural para acolher os Na’vi e demais animais e plantas ao seu redor. Uma geomorfolgia que surpreende pelas formas, por vezes lembrando os mundos fantásticos dos serials e das revistas sci-fi de outros tempos… Aquelas montanhas flutuantes, por exemplo, trazem à memória as aventuras de Flash Gordon…

Nas entrelinhas correm, depois, piscadelas de olho a alguns episódios anteriores na vida cinematográfica de James Cameron, nomeadamente o seu Aliens. Uma das sequências perto do fim (não se diz mais para não “estragar” a história a quem ainda não viu o filme) evoca a luta final entre Ripley e o alien, já de regresso à nave-mãe. Mais curiosa é a caracterização frágil e apaziguadora da personagem interpretada por Sigourney Weaver, nos antípodas da Ripley de que se falava há pouco.

O que há de mesmo muito mau em Avatar é… a música (de James Horner), com percussões tribais a fazer do retrato musical dos Na’vi um cliché supostamente africano… Com uma canção ainda pior (como seria possível?) que a de Celine Dion a fechar os créditos finais. E por vezes tão a soar a Titanic que a dada altura se chega a pensar que a grande árvore dos Na’vi até se vai afundar…