domingo, maio 17, 2009

Em conversa: Andrew Fletcher (3/3)

Concluimos hoje a publicação da versão integral de uma entrevista com Andrew Fletcher, dos Depeche Mode, que serviu de base a um artigo publicado no DN a 15 de Abril (e que está também disponível no DN online).


Até que ponto foi importante para a solidez da vossa carreira a digressão norte-americana que depois documentaram no filme (e álbum ao vivo) 101?
Nas nossas viagens anteriores à América, em inícios dos anos 80, não tínhamos qualquer hipótese. O nosso som era muito europeu, e eles nunca nos aceitariam. Éramos muito anti-rock e eles tão pró-rock... Mais tarde anunciámos uma digressão, que esgotou... E havia gente a gritar nos concertos... Histeria... Tudo culminou naquele enorme concerto no Rose Bowl, em Passadena, no final da Music For The Masses Tour... Muita gente penou que seria uma loucura. Mas esgotámos a sala... O mais importante daquilo que aconteceu, e não apenas para os Depeche Mode, foi o principio da coroa de glória para a música alternativa nos Estados Unidos. As estações de rádio de música alternativa tornaram-se muito poderosas pouco depois, mostrando nomes como os Nirvana ou Pearl Jam.

No documentário 101 o realizador D.A. Pennebaker usa um conjunto de fãs vossos para com eles criar uma história paralela. O que ali mostrou não era quase uma antecipação das linguagens da ‘reality TV’?
Nunca tinha pensado nisso dessa forma, mas é verdade... Foi uma boa ideia. Os miúdos eram muito simpáticos e uma delas acabou tour manager dos Oasis... O que não deve ser coisa fácil...

É depois dessa digressão americana que as guitarras começam a entrar no som dos Depeche Mode...
Nos anos 80 estávamos muito centrados nas electrónicas. Tínhamos uma regra que pedia que nunca deveríamos usar um mesmo som duas vezes... O que acabou por ser complicado, porque começamos a ficar sem sons a dada altura. Depois começámos a trabalhar com o Flood e ele disse-nos para esquecermos essas manias. Disse-nos para usarmos os sons que entendêssemos. Então, como tínhamos sido bem na nossa origem, uma banda de guitarras e tínhamos acabado como uma banda electrónicas, então passámos a ser uma banda de guitarras e de electrónicas. Violator foi o álbum-chave para mim. Tudo fez sentido ali...

É, para si, o disco” dos Depeche Mode?
Sim, tem tudo. Começámos a usar guitarras no riff do Personal Jesus. Depois a grande produção do Flood e a mistura do François K. E depois tudo fez sentido à volta das canções do Martin. Acabou mesmo por ser o álbum perfeito. E deu grandes êxitos...

A sobrevivência dos Depeche Mode tremeu com os problemas pessoais que Dave Gahan enfrentou nos anos 90?
Para ser justo, na verdade nunca nos separámos... Por isso nunca nos juntámos de novo. Mas houve um momento complicado, durante Ultra, em Nova Iorque. Fomos lá por seis semanas. Íamos gravar as vozes... E não gravámos... Eu e o Martin e o Tim Simenon [produtor com quem então trabalhavam] chegámos a pensar que não ia haver disco... Mas o Dave fez um tratamento de desintoxicação, voltou, e o resto é história... Já lá vão uns 13 ou 14 anos... E ele tem-se mantido bem. Tivemos problemas nessa altura. Mas é como nas nossas próprias vidas. Há sempre aqueles momentos em que passamos um mau bocado. Mas o importante é depois sair desse mau bocado como uma pessoa mais forte. Não quero soar a terapeuta, mas é assim... E isso aconteceu com os Depeche Mode.

Em inícios dos anos 80 chegaram a ter canções com alma política. Falaram do ambiente em The Landscape is Changing. Reflectiram sobre a vida em clima industrial em Some Great Reward... Mas na verdade nunca foram uma banda política. É terreno que evitem?
Creio que aí não nos sentimos confortáveis como banda. Mas como indivíduos temos grande interesse pela política. As canções do Dave e do Martin tentam tocar as pessoas no seu quotidiano, de uma forma diferente do que faríamos se falássemos de política. Falamos de relações e de problemas do dia a dia que as pessoas enfrentam. Tocamos nas emoções das pessoas por todo o mundo. E fazemo-lo de uma forma não política. Mas tocamos as pessoas. E isso, no fim, é o que há de mais incrível na música.

Martin Gore é, desde 1982, o autor principal da banda. Nos últimos dois discos Dave Gahan também contribuiu. Em tempos Vince Clarke e Alan Wilder escreveram canções para a banda. Não se sente mal por ser o único elemento do grupo que nunca compôs para os Depeche Mode?
Noventa por cento dos músicos não escrevem canções. A escrita de canções é uma arte. E na minha carreira tive a sorte de trabalhar com dois dos melhores autores de canções que Inglaterra nos deu nos últimos 30 anos: o Martin Gore e o Vince Clarke. Eu não sei escrever canções desse calibre. Não me sinto confortável a escrever as minhas emoções e pensamentos, transformando-os num poema que se pode cantar. Sinto que o que faço bem e estar por trás, com estas pessoas fantásticas mais à frente. Em todos os grupos isto acontece.

Há um documentário sobre os fãs dos Depeche Mode – The Posters Came From The Wall, de Jeremy Deller e Nicholas Abrahams – onde se mostram casos extremos de devoção pela vossa música. Um serviço religioso que usa as vossas canções. Iranianos que vos escutam em segredo...
É um pouco como nos tempos da cortina de ferro nos anos 80. São situações algo semelhantes. No fundo, não falamos de política como os U2, mas chegamos às pessoas sejam quais forem as suas realidades políticas e religiosas.

Esta entrevista integra um dossier sobre os Depeche Mode que está disponível. no DN online O dossier pode ser consultado aqui.