O álbum tem por título Actor e na verdade a escolha não podia ter sido mais acertada. O jogo de criação de personagens começa logo pelo nome pelo qual Annie Clark, natural de Tulsa (no Oklahoma) se apresenta: St. Vincent. Com uma história pessoal que passa pelos Polyphonic Spree, pela banda que acompanhou Sufjan Stevens em palco e, depois, por digreessões nas quais tocou com nomes como John Vanderslice, The National, Xiu Xiu ou os Television, Annie (ler St. Vincent) estreou-se a solo em 2006, com um EP, ao qual se seguiu o álbum Marry Me, um ano depois. Actor é o seu sucessor, revelando uma música com o gosto pelo cruzamento de identidades, através do qual cria personagens em forma de canção. Pelo disco passam ecos evidentes de nomes que vão das suas referências estruturais pessoais (Billie Holliday, Ella Fitzgerald ou Joni Mitchell) ao leque mais recomendável de cantautoras de vistas largas dos nossos dias (Feist, Cat Power ou Regina Spektor), aliando à composição um domínio sobre a arte da cenografia, aqui convocando experiências que vão de uma Björk a pontuais visitas à intensa sujidade eléctrica de uma PJ Harvey. A composição é segura e os arranjos elaborados e elegantes, criando espaços que acolhem uma voz melodista e suave. As canções falam de cenas do quotidiano, todavia sem desejo de traçar um programa de realismo social. Actor é um disco trabalhado, meticuloso no desenvolvimento das formas, mas no film convidativo e acessível. Um belo exemplo de pop reflectida, sem desejo de ser coisa cerebral.
St. Vincent
“Actor”
4AD / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace
Já havia edições anteriores (concretamente desde um EP em 2007), mas com o magnífico Viola Braguesa, B Fachada entrou pela porta da frente da cena pop(ular) portuguesa em 2008. O EP agarrava numa mão cheia de belas canções, moldava-as sob um plano de identidade, e desde logo chamava atenção para um inevitável passo seguinte. Ei-lo. Chama-se Um Fim-de-Semana no Pónei Dourado e não se limita a confirmar no cantauror uma das “vozes” activas mais consequentes de um panorama musical nacional em evidente ebulição nas franjas “independentes”. Na verdade, o álbum alarga o espectro de acção da música de B Fachada, adiante das referências que nos mostrara em experiências anteriores. Pelas canções, num alinhamento que começa certeiro com o intrigante Zé! (quem será?), abre-se terreno à presença de guitarras eléctricas, outras percussões e mesmo discretas electrónicas. Contam-se histórias do quotidiano, escuta-se o presente, fala-se de gentes e vivências que correm ao nosso redor. Cruza-se a herança do perfil do cantautor com uma curiosidade sobre outros horizontes assimilando, sob marcas de personalidade, ecos do jazz à folk, de raízes rurais antigas ao universo da música eléctrica. Bem humorado e até auto-crítico, B Fachada regista no seu álbum de estreia um retrato seguro de uma identidade autoral em construção, todavia já demarcada. Um Fim-de-Semana no Pónei Dourado é já um dos episódios a fixar no 2009 musical português.
B Fachada
“Um Fim-de-Semana no Pónei Dourado”
Flor Caveira / Mbari
4 / 5
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Há onze anos, o álbum La Llorona colocava uma voz inesperada nas bocas do mundo. Nascida nos EUA, com infância vivida perto da fronteira com o México, e entretanto de armas e bagagens mudadas para o Canadá, Lhasa de Sela revelava nesse primeiro álbum um cativante encontro entre memórias mexicanas, tradições folk europeias e um piscar de olho a terrenos indie. Cinco anos depois regressava com o formalmente mais ambicioso The Living Road. E após novo longo silêncio (seis anos, desta vez), eis que apresenta um terceiro álbum ao qual, simplesmente, deu o seu nome: Lhasa. Este é, na verdade, o primeiro disco no qual chama a si todo o processo criativo, incluindo a produção. E é também o primeiro que apresenta na sua verdadeira língua materna: o inglês. Mais austero que The Living Road e distante dos ecos do “exotismo” world music da estreia, Lhasa é um disco de canções fágeis, onde melancolia e intimidade são protagonistas. Pelo alinhamento fora sente-se uma assimilação de experiêncoias e gostos, definindo uma linguagem que por vezes fecha as canções num regime instrumental pouco ginasticado. O disco abre porém, oacsionalmente janelas à contemplação de formas mais directas como os blues ou a folk. E revela aqui e ali exemplos de uma escrita que sabe servir uma belíssima voz.
Lhasa
“Lhasa”
Warner Music
3 / 5
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Depois de aventuras menos bem sucedidas (em concreto o mediano álbum vocal Medúlla e a dispensável banda sonora do filme Drawing Restraint 9, de Matthew Barney), Björk parece dedicida a manter os pés em terra. Encetou nova etapa com Volta, disco que a devolveu ao diálogo com a canção, convocando então algumas novas e interessantes parcerias (de Antony Hegarty a Timbaland). Seguiu-se uma digressão, na qual usou o novo clima sonoro (com evidentes pontes com etapas anteriores da sua obra) como cenário para a construção de um alinhamento feito de novas e velhas canções. E vincou mais ainda a ligação ao solo e ao presente com uma sucessão de opções do foro político, muitas delas conduzidas através da associação Nattúra, que visa o apoio a programas de desenvolvimento, que tenham uma consciência ecologista no seu código genético. Voltaic, o “álbum” que agora fecha este ciclo de acontecimentos é como que um documento, feito de sons e imagens, destes dois últimos anos de vida pública para Björk. Na sua expressão mais completa é um dois mais dois. Ou seja, dois CD: um com gravações gravadas ao vivo, todavia em estúdio, recriando as versões e alinhamento que levou à estrada, um outro com uma colecção de remisturas). E depois dois DVD: o primeiro com registos, de facto, da digressão que se seguiu a Volta, o segundo com telediscos. Interessante, sem dúvida, mas apenas para evidente consumo dos admiradores mais fiéis.
Björk
“Voltaic”
One Litte Indian / Universal
3 / 5
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Nem todos os músicos resistem bem a surtos de atenção mediática. Durante anos, através de várias bandas e colaborações, Conor Oberst gravou discos que hoje ajudam a escrever alguns dos melhores episódios da história indie dos anos 90 e da presente década. A edição simultânea de dois álbuns em 2005 e histórias paralelas no reino das celebridades deram-lhe uma visibilidade que até então lhe era quase alienígena. Segiu-se um álbum menor de Bright Eyes em 2007. E, depois, uma nova etapa com discos em nome próprio, o segundo dos quais é o primeiro que co-assina com a Mystic Valley Band, um colectivo que reuniu para gravar (e pontualmente consigo escrever) as novas canções. Ao ouvir, agora, Outer South, fica claro que o que parecia um inesperado desnorte no álbum de 2008 se confirma como um programa de busca de outras paragens. O que, como o disco revela, nem sempre acaba com bons resultados. Outer South mostra como nem todo o trabalho de equipa segue a equação que diz que a soma do todo é melhor que as partes em separado. Na verdade, e no que cabe a Conor Oberst (que aqui cede frequentemente o protagonismo a outros outores e mesmo vozes), o disco deixa claro que estava melhor a solo, mesmo com nome de banda, que agora com banda, assinando com nome próprio. Não necessariamente mal acompanhado, mas claramente sem as rédeas nas mãos. Contudo, quando se ouve o belíssimo Ten Women, onde a sua identidade emerge, fica certo que nem tudo está perdido...
Conor Oberst & The Mystic Valley Band
“Outer South”
Merge Records / Popstock
2 / 5
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Também esta semana:
Philip Glass, Graham Coxon, Maximo Park, Green Day, St Etienne (reedições), Kevin Saunderson, Laurent Garnier
Brevemente:
18 de Maio: The Field, Manic Street Preachers, Madness, Passion Pit, Tangerine Dream (reedições), Jeffrey Lewis, Jarvis Cocker, The Vaselines, Tori Amos, Lightning Seeds, Passion Pit, Tom Tom Club (reed.), Kronos Quartet
25 de Maio: Grizzly Bear, Phoenix, Siouxsie & The Banshees (live), Iggy Pop, Iron & Wine, Pink Mountaintops, Loop,
1 de Junho: Patrick Wolf. Eels, John Vanderslice, Foreign Born, Elvis Costello, Neil Young (archives), Franz Ferdinand (dub)
Junho: Sonic Youth, Regina Spektor, Tortoise, Little Boots, Duran Duran (reedições + DVD), VV Brown, Placebo, Kasabian, Jeff Buckley, George Harrison, Frankmuzik, Peter Hammil, Chris Isaak, God Help The Girl, Gossip, Dirty Projectors, Fiery Furnaces, Wilco
Julho: Chris Garneau, Florence and The Machine, Cass McCombs