sábado, janeiro 24, 2009

Em conversa: Zé Pedro (2)

Continuamos a publicação de uma entrevista com Zé Pedro, dos Xutos & Pontapés que evoca os 30 anos da banda, celebrados este mês. A entrevista serviu de base a um artigo publicado no suplemento DN Gente, a 10 de Janeiro.

Antes de 1974 sentias que havia música que não chegava a Portugal?
Quando estamos num mundo em que a informação é aquela, devoramo-la toda! Tudo o que chegasse nós devorávamos, para saber o que era. E como chegava em pequenas quantidades, tinha tempo para devorar a novidade. Tempo para ouvir um disco todo, para o analisar, repetir. Era raro levantar a agulha de uma faixa para passar para a seguinte. Ou seja, ouvia-se o disco todo, pelo menos na primeira audição.

E como chegavam os discos?
Pela Discoteca do Carmo. E por mailing lists... A Cobb Records... Éramos cinco ou seis, e de 15 em 15 dias, entre semanadas e mais algum dinheiro dava para comprar um disco. Cada um ia escolhendo,. Um comprava este, da vez seguinte outro comprava aquele... Íamos comprando as revistas e sabendo as novidades. Escolhíamos disco por uma notícia. Por exemplo, comprei os Ramones, que nem sabia o que eram, porque li uma noticia, com uma fotografia, que falava de uma banda em Nova Iorque que trabalha sobre três acordes e letras como “Now I wanna sniff some glue Now I wanna have somethin' to do”... Na altura estava a ouvir o Santana e a Mahavishnu Orchestra, que era o oposto total... Mandei vir os Ramones e o Positive Vibration, do Bob Marley, que eram dois discos completamente... fora. E foi diferente!

O que muda com o 25 de Abril na tua relação com a música?
Tinha uns 16 ou 17 anos... Comecei a perceber o que era a política. O meu pai era oficial. Tínhamos estado no Ultramar, pelo que eu tinha a noção que havia uma guerra. À partida pensava que os bons éramos nós...

Pensavas que lá terias de ir parar?
Não pensava nisso. Mas acho que isso não me assustava muito, uma vez que sempre vivi em quartéis ou ao pé de quartéis. Tive um acesso directo àquilo que se estava a passar. Aliás, a minha experiência maior foi em Timor. E Timor era completamente pacífico em relação à guerra. Víamos o aparelho militar a funcionar. Andávamos de cidade para cidade, de vila para vila...
A seguir ao 25 de Abril tive uma vivência mais política. Não bem logo a 25 de Abril, mas no 1º de Maio... Foi uma coisa grandiosa. Abriram-se portas... No liceu envolvi-me com os activistas, embora nunca tenha pertencido a nenhum partido... A nível de informação começam a acontecer muitas coisas. Primeiro foi o absorver da política. E o Che Guevara aí é uma personagem... E depois a busca da música tornou-se mais interessante. E mais fácil. Os programas de rádio, já os havia antes, mas passámos a dar-lhes mais atenção. E em 1977, depois de ver o festival punk, encontro o meu caminho.

O punk passa a leste da maioria dos portugueses. Como o descobres?
Primeiro pelas revistas... Acho que compro o álbum dos Ramones em 75 ou 76. E fico logo com as antenas no ar... Depois quando vejo o festival em Mont-de-Marsan (na foto) num InterRail, as coisas fizeram todo o sentido para mim. Quando voltei espetei logo um alfinete na boca, rapei o cabelo... E juntei-me a mais uns na minha onda. Encontráva-nos numa cervejaria, entre a Munique e a Trindade. Todos tinhamos uma banda. Como um bom punk... Não éramos muitos. Aí uns 15 ou 20. Mas havia uma grande troca de informação entre bandas. Um descobria os Stranglers, o outro os The Only Ones, os The Saints... E tudo isto acompanhado muito pelo [António] Sérgio.

Até que ponto António Sérgio é determinante nessa formação?
Era o programa certo na altura certa. Era o expoente máximo a divulgar música. Trazia muitas coisas em primeira mão. A primeira vez que ouvi os U2 foi no programa dele. Deu muita força a muita gente que ouvia música...

A vontade de ser músico nasce, assim, como consequência directa do punk...
Quando, mais tarde, os Xutos começaram a saltar para os concertos de província, a gente fazia muito os intervalos dos bailes... O pessoal não reagia muito... Mas também não se ia embora... Chegávamos aos sítios e éramos os punks... Quando aparecemos os UHF estavam na calha. Lembro-me de os ver no final do Verão de 78 no Brown’s, que tinha um DJ fabuloso. Era por trás da Avenida de Roma e foi lá que ouvi os Devo pela primeira vez... Depois havia os Aqui d’El Rock. Quando eu regressei do InterRail, em 1977, houve um festival no Restelo. Um festival da Música & Som, onde tocam os Faíscas. O cartaz tinha os Psico, os Arte & Ofício, e havia uma terceira banda... Antes já estava a acompanhar uma banda dos Olivais: os Ficha Tripla. Ia aos ensaios deles... Mais tarde conheci o Manuel Cardoso, dos Tantra. Ia ver bandas ao Cinema da Encarnação e depois ficava a conhecer a malta que tocava... Havia ali já o bichinho. Só faltava a definição do que ia fazer... Depois há os Faíscas, que foram uma pedrada no charco. Foram uma banda repentina, mas deixaram marcas. Aparece o primeiro single dos Aqui d’El Rock. Mas nós torcíamos o nariz, porque não sabiamos quem eles eram... Éramos um bocado elitistas.

Foram o único disco editado e apresentado como sendo punk português naquela altura...
Foram. Mas aquilo não era bem punk... Também em Inglaterra havia bandas que nem se sabia bem porque eram punk... Tinhamos a ideia que mais uma atitude. E os Aqui d’El Rock não tinham grande atitude.

(continua)