Um episódio de um recente jogo de futebol (um golo anulado no Benfica-Nacional) tem servido para confirmar uma triste lei da nossa sociedade: o prazer do futebol tornou-se minoritário, sendo substituído por numa patética, e sempre mediática, tragédia colectiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 de Janeiro), com o título 'O futebol em guerra'.
Durante vários dias, um golo anulado ao Benfica no jogo com o Nacional foi tema insistente nos espaços desportivos das televisões, a começar pelos jornais das oito da noite. Resultado: a informação transformada em depressão colectiva.
Escusado será dizer que o assunto não tem a ver, especificamente, com o Benfica. Terá, em todo o caso, alguma relação com a abordagem televisiva dos chamados grandes: basta que alguém dê um espirro fora de tempo, algures num daqueles treinos de que todos os dias nos repetem imagens, para que as desgraças de Porto, Sporting ou Benfica sejam mais importantes que a crise do ensino ou o debate sobre o orçamento de Estado. Entre alarmismo e catastrofismo, há sempre quem consiga ver um sintoma de conspiração em tudo o que mexa. Por vezes, há mesmo um belicismo que justifica a pergunta: que é feito do prazer do jogo pelo jogo?
Não sejamos ingénuos. É bem verdade que, do ponto de vista legal, os últimos anos do futebol português não têm sido um primor de elegância. Mas isso não invalida outra pergunta: que pedagogia mediática e social se está a exercer cada vez que se transforma uma decisão de um árbitro em pretexto para uma guerra de acusações e insinuações? Mais ainda: que mensagem se está a fazer passar para os mais novos quando só se fala de futebol para levantar suspeitas e sugerir a prática continuada de crimes contra a verdade desportiva?
É desconcertante que a espantosa gama de recursos que as televisões passaram a ter na amostragem dos mais pequenos detalhes de um jogo de futebol (múltiplos pontos de vista, câmara lenta) quase não tenha efeitos didácticos dentro das próprias televisões. De facto, o mais elementar bom senso permite perceber que, na esmagadora maioria das situações, os árbitros vêem os lances muitíssimo pior que o espectador. Se isto justifica ou não a aplicação de dispositivos televisivos na arbitragem é outra questão. Mas não seria suficiente para reconhecermos que, cada vez que fazemos equivaler um gesto da arbitragem a uma gigantesca maquinação de bastidores, estamos a matar o próprio futebol como espectáculo e também como salutar experiência colectiva?
Durante vários dias, um golo anulado ao Benfica no jogo com o Nacional foi tema insistente nos espaços desportivos das televisões, a começar pelos jornais das oito da noite. Resultado: a informação transformada em depressão colectiva.
Escusado será dizer que o assunto não tem a ver, especificamente, com o Benfica. Terá, em todo o caso, alguma relação com a abordagem televisiva dos chamados grandes: basta que alguém dê um espirro fora de tempo, algures num daqueles treinos de que todos os dias nos repetem imagens, para que as desgraças de Porto, Sporting ou Benfica sejam mais importantes que a crise do ensino ou o debate sobre o orçamento de Estado. Entre alarmismo e catastrofismo, há sempre quem consiga ver um sintoma de conspiração em tudo o que mexa. Por vezes, há mesmo um belicismo que justifica a pergunta: que é feito do prazer do jogo pelo jogo?
Não sejamos ingénuos. É bem verdade que, do ponto de vista legal, os últimos anos do futebol português não têm sido um primor de elegância. Mas isso não invalida outra pergunta: que pedagogia mediática e social se está a exercer cada vez que se transforma uma decisão de um árbitro em pretexto para uma guerra de acusações e insinuações? Mais ainda: que mensagem se está a fazer passar para os mais novos quando só se fala de futebol para levantar suspeitas e sugerir a prática continuada de crimes contra a verdade desportiva?
É desconcertante que a espantosa gama de recursos que as televisões passaram a ter na amostragem dos mais pequenos detalhes de um jogo de futebol (múltiplos pontos de vista, câmara lenta) quase não tenha efeitos didácticos dentro das próprias televisões. De facto, o mais elementar bom senso permite perceber que, na esmagadora maioria das situações, os árbitros vêem os lances muitíssimo pior que o espectador. Se isto justifica ou não a aplicação de dispositivos televisivos na arbitragem é outra questão. Mas não seria suficiente para reconhecermos que, cada vez que fazemos equivaler um gesto da arbitragem a uma gigantesca maquinação de bastidores, estamos a matar o próprio futebol como espectáculo e também como salutar experiência colectiva?