segunda-feira, outubro 06, 2008

A tragédia da FNAC

Há qualquer coisa de desconcertante na va-ga de protestos gerada pela notícia de que, a partir de Novembro, a FNAC vai deixar de praticar 10% de desconto nos produtos que comercializa (livros, discos, DVDs, etc.), reservando tal desconto para os detentores do seu cartão. Porquê desconcertante? Porque, de repente, parece que o histórico da FNAC na sociedade portuguesa se esgota na questão de haver ou não haver a possibilidade de comprar mais barato... Será que esta nova situação vai transformar os hiper-mercados que praticam 10% de desconto nos livros em heróicos resistentes da vida cultural portuguesa?
Não pretendo colocar-me em nenhuma posição exterior, quanto mais não seja porque várias vezes, incluindo como membro deste blog, tenho correspondido a convites da FNAC para participar nas suas sessões de divulgação cultural (e, já agora, se isso é importante, enquanto consumidor, possuo um cartão FNAC).
Repare-se: o que me confunde não é o facto de a decisão da FNAC poder suscitar dúvidas e protestos. Acontece que só por ingenuidade ideológica, ou militante distracção em relação a essa "coisa" que dá pelo nome de mercado, se pode esperar que a definição de uma política cultural de defesa dos consumidores seja assunto determinante de uma empresa, seja ela qual for, para mais uma empresa internacional com receitas superiores a 4.500 milhões de euros (2007).
Por um lado, vivemos numa risonha fabricação de anedotas face à quotidiana imposição de uma cultura televisiva que, na maior parte dos casos, menospreza tudo o que possa ser estímulo ao acto de pensar — a começar pelos livros, hélas! Por outro lado, uma empresa segue a lógica inscrita nos seus genes — precisamente a lógica que, a certa altura, a levou a praticar determinados preços —, e há quem pareça crer que isso compromete toda a vida cultural do país, independentemente daquilo que as televisões fazem e os políticos não fazem.
Mesmo que este abandono dos descontos de 10% seja uma tragédia para muitos consumidores (e não pretendo sugerir o contrário), a FNAC integra um elenco muitíssimo mais vasto. Seria interessante perguntar o que andam a fazer as outras personagens.