terça-feira, junho 17, 2008

O futebol como "destino"

Não tenho qualquer visão global desfavorá-vel dos comentadores de futebol. A sério: não gosto de visões "globais" das pro-fissões. E sou sensível a um exemplo paralelo, muito concreto: há uma mediocri-dade de escrita e pensamento em muitas coisas que se escrevem sobre cinema (muito empolada pelos recursos "democráticos" da Net) e, no entanto, no contexto português, parece-me que continua a haver um sólido conjunto de discursos críticos empenhado em afirmar o cinema como acontecimento específico.
Por isso mesmo, permito-me referir um vício argumentativo que o espaço do futebol não consegue superar — e que se tem multiplicado com a as transmissões do Euro 2008. Tem a ver com a visão de um jogo de um futebol como uma espécie de "destino". Assim, é suposto cada jogo confirmar tal determinismo. Fórmula corrente de crença tão pueril: "este é um resultado que se aceita."
Como? Um resultado que se aceita? Que quer isto dizer? Que podemos, então, proclamar que um resultado é "inaceitável"?
Convém lembrar a dimensão totalmente (e salutarmente) ilógica do futebol. Ou seja: uma equipa pode enviar 372 bolas à barra e aos postes da baliza adversária e a outra ganhar com um golo marcado na única vez que foi lá à frente... Isso torna o resulta-do "inaceitável"? Será que, num caso desses, os comentadores que celebram a "(in)aceitação" aconselham uma de três hipóteses:
1 - repetir o jogo?
2 - prolongar o jogo até que ganhe a equipa "certa"?
3 - agredir o árbitro?
Será que os comentadores não medem todas as ressonâncias das palavras que aplicam? Será que se esquecem que, entre outras funções, as suas palavras possuem um inevitável valor pedagógico e são muitas vezes apreendidas como a única verdade sobre o jogo? Será que querem transformar o futebol numa guerra entre coisas "aceitáveis" e resultados "inaceitáveis"?