terça-feira, junho 17, 2008

Em conversa: Spiritualized (2/3)

Continuamos a publicação de uma entrevista com Jason Pierce, dos Spiritualized, que serviu de base a um artigo publicado a 11 de Junho no DN.

Importa-se que as pessoas se relacionem apenas com a face estética da sua música ou gosta que escutem também com atenção os temas sobre os quais escreve?
A percepção dos temas vai tendo cada vez menos a ver comigo e mais com os outros que escutam. Quando se escuta uma canção da América dos anos 30 não se tem necessariamente a sugestão do que seria viver nesses tempos e nesses lugares. Ouvimos a música em função daquilo que somos hoje. Relacionamos o que ouvimos com o que hoje são as nossas vidas. Relacionamo-las com as nossas histórias pessoais, com a nossa forma de sentir, o nosso bater do coração ou a electricidade que nos vai na alma. Esse é o tipo de sensações que tiramos da música.

Mas acredita na intemporalidade da música?
Toda a boa música é intemporal. E viaje como se fosse uma cápsula no tempo. E quanto mais viagem pelo tempo mais irrelevantes se transformam as histórias que consigo se relacionam. Quanto mais antiga a música menos na verdade sabemos sobre a pessoa que a fez ou a sua relação com o seu tempo. Muito simplesmente porque não nos podemos relacionar pessoalmente com eles. Não podemos, na verdade, estar em sintonia com a Viena do século XVIII... Não poderemos imaginar o que é estar naquelas salas e ouvir aquela música como, realmente, aconteceu. Eu escuto os Stooges a tocar o Search and Destroy. Supostamente fala do Vietname, mas em nada a canção me diz o que é o Vietname. Nasci numa pequena terra no meio de Inglaterra. E não imagino o que era viver, naquela altura na América e falar do Vietname... Sei, contudo, dizer o que aquela música me faz sentir e como se relaciona comigo.

A cada um a liberdade de sentir a música em função do seu contexto de tempo e lugar...
Sim, claro. E assim a música adquire uma relação com a vida real das pessoas. Muitas vezes essa relação é puramente acidental. Às vezes pensamos que não gostamos de uma época ou um género, mas depois ouvimos, por exemplo, a Patsy Cline e algo de proporções dramáticas acontece. E acabamos o resto da vida ligados a Patsy Cline,... E é assim que a coisa funciona.

Algumas das temáticas que aborda na sua música acabam por ser, de facto, intemporais. Deus, a fé, são obsessões recorrentes nas suas canções...
Porque são questões que podemos questionar. É bom poder questioná-las... O que é que na verdade é tudo isto? É uma grande questão. E sabe-me bem falar sobre isso. É bom poder lançar questões. E é mesmo isso o que desejo poder fazer.

A hospitalização fê-lo encarar essas mesmas questões de outra forma? Tentou aprofundar a busca de eventuais respostas?
Gostaria de dizer que sim... Gostaria de poder dizer que tudo correria bem. Mas na verdade não sei. Por dar entrevistas creio que há quem espere que eu possa dar grandes respostas... Talvez as tenha até. Mas talvez as guarde para mim. Estar doente não é fácil. E regressar, depois, também não. Mas conheço que tenha passado por bem pior do que eu. Quando me comparo com essas pessoas sinto que quase fiz uma pausa, que tirei umas férias. Sinto que se exagerou quanto ao que se passou comigo. O mais difícil é o regresso. O voltar a levantar-me. As grandes revelações não aparecem. E pode ser até um desapontamento reparar que não apareceram...

O novo álbum Songs in A & E tem exemplos de alguma da escrita mais simples e directa de sempre. Soul on Fire, o primeiro single, é bom exemplo disso mesmo...
Essa canção foi escrita numa guitarra. As canções criadas na guitarra ficam assim... Mas não parti para este disco a pensar que ia fazer um álbum old school...

Os instrumentos com os quis se trabalha nessa etapa de composição ajudam a definir a forma como uma canção se desenvolve?
A guitarra para mim envolve muitas limitações pela minha falta de talento no instrumento. Só sei uma mão cheia de acordes. E as canções que componho na guitarra não saem desses acordes.
(conclui amanhã)