Nos últimos meses a multidão de segundas revisões das memórias e referências do pós-punk - que tinham gerado manifesto entusiasmo (e mesmo alguns belos discos) entre 2005 e 2006 - mostrou sinais que sugeriam um aparente esgotamento do filão. Contudo, e através de um álbum que nos chega do outro lado do mundo, somos confrontados com nova, viva e marcante operação de construção de uma identidade presente firmada sobre pistas colhidas nesse mesmo passado. Dystopia, álbum de estreia dos Midnight Juggernauts, deixa claro que há ainda caminhos abertos para a revisitação da pop de finais de 70 e inícios de 80. Em vez de seguir a "tendência" dominante, citando os Wire, XTC, Joy Division, Psychedelic Furs ou The Cure, a banda, natural de Melbourne (Austrália), propõe neste seu álbum de estreia um confronto entre os ecos do melodismo pop electrónico de finais de 70 e início de 80 (Gary Numan, John Foxx e afins), e os requintes rítmicos escutados na França digital de finais de 90 (Air e Daft Punk). A estes condimentos juntam uma vontade firme de fazer pop, sem que tal os afaste das pistas de dança, maternidade primeira deste duo que entretanto conta agora com a presença regular de um baterista nas suas fileiras. O grupo começou a chegar aos ouvidos dos europeus através de uma série de remisturas (para nomes como os Presets, Electric Six ou Wolfmother), de referências em compilações de música de dança e de primeiras partes em concertos de nomes como Justice, Scissor Sisters ou Bloc Party. Em Agosto deste ano, e depois de editados dois EPs, o álbum de estreia Dystopia era editado na Austrália, confirmando no grupo o instinto pop para o qual o EP de 2006 Secrets of The Universe já alertara. Into The Galaxy é pop perfeita, melodia acompanhada a electrónicas doces e com um refrão que se cola aos ouvidos. Shadows, que conhecíamos já do EP de 2006, apela ao movimento, pede luzes e bolas de espelhos, mas não esquece a sua condição de canção. Editado na editora da própria banda (a Siberia Records), o álbum continua a ser pérola que chega de longe, acessível apenas via importação. Não hápor aí uma distribuidora nacional que o escute e nele aposte?Midnight Juggernauts
“Dystopia”
Siberia Records
4/5
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Nome de referência do catálogo da K Records, com discografia que remonta a 1997, Mirah (de nome completo Mirah Yom Tov Zeitlyn) acaba de ver lançado entre nós o seu mais recente e mais peculiar disco. Share This Place não é mais que a banda sonora de um conjunto de 12 curtas metragens de animação que têm o universo dos insectos como pano de fundo. Conforme lhe foi pedido pelas duas instituições de apoio às artes que asseguraram a encomenda destas curtas metragens (e sua música), estas são histórias e, consequentemente, canções, que exploram a ternura, o dramatismo, a tragédia e o triunfo das vidas dos insectos. Um Microcosmos feito ciclo de canções, Share This Place sobrevive como disco mesmo sem a presença das animações a quem deu música. Mirah chamou para consigo trabalhar os velhos amigos e parceiros Lori Goldston (violoncelo) e Kyle Hanson (acordeão), da Black Cat Orchestra. A eles juntou um percussionista, e tocador de oud (um “parente” do alaúde, característico do médio oriente). E, para a produção, convocou, entre outros, Steve Fisk. Entre a folk, com pontuais ecos de músicas da Europa de Leste, Mirah encontrou a base de trabalho para a construção deste ciclo de canções que falam de larvas, moscas e escaravelhos. Inspiradas em parte pelas palavras do poeta (e homem de ciência) J. Henri Fabre, as canções são delicadas observações de pequenos mundos que aqui ganham outra vida. Frágeis, de adornos contidos, sempre cedendo protagonismo à voz e palavras, as canções de Share This Place oferecem-nos um dos mais inesperados ciclos de canções que o ano viu nascer.Mirah and Spectratone International
“Share This Place”
K Records / Sabotage
3/5
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Chama-se Brisa Roché... O nome sugere ser coisa francesa, mas na verdade é apenas o pseudónimo que uma jovem de origem californiana criou para dar corpo a uma voz. Filha de pais que em finais de 60 abraçaram a contra-cultura hippie, autodidacta na música, Brisa Roché partiu para Paris no ano 2000, depois de acompanhar os últimos dias de vida do seu pai, em Portland, onde este então residia. De Paris regressou com novo nome e também a vontade em criar nova música. Primeiro, juntando-se a uma série de instrumentistas de jazz, chegou ganhar visibilidade no género, gravando inclusivamente pela Blue Note um primeiro álbum (de título The Chase) que lhe valeu comparações com Norah Jones... Não gostou das comparações, ao que parece... Mudou-se então para uma comunidade no Norte da Califórnia, levando consigo alguns instrumentos e um computador. Em 22 dias tinha um conjunto de canções registadas, ponto de partida para nova experiência, mais próxima da canção pop. Regressou a França, acompanhada com uma banda, e de uma temporada em estúdio as maquetes emergiram na forma de um álbum que agora chega aos escaparates. Takes, segundo álbum de Brisa Roché, não esconde ocasionalmente um passado recente de afinidades jazzísticas, mas mostra sobretudo um interesse pelo sentido de liberdade que agora descobre na pop. As suas canções são luminosas, leves, simples e directas (leia-se sem grandes artifícios de produção). Abertas à contaminação de diversas pistas colhidas no passado, do doo wop de 50 à pop californiana de 60, passando pela folk que certamente escutou com os pais, as canções não são contudo parte de um manifesto de nostalgia, mas antes um espaço de invenção que cruza referências várias num tempo que é o de agora. Com alguma familiaridade com umas Au Revoir Simone ou The Bird And The Bee, um belo disco pop a descobrir...Brisa Roché
“Takes”
Discograph
3/5
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Dois anos depois de Fires In Distant Buildings, o novo The Western Lands assinala uma interessante rota de progressão na música dos Gravenhurst, banda de Bristol cuja personalidade musical, difícil de catalogar, caminha habitualmente entre heranças da folk e uma série de registos seguidos em território indie rock, de redescobertas do psicadelismo a mais frequentes incursões pela memória shoegazer. O disco vinca, mais ainda que o anterior, esta última referência, não escondendo uma certa admiração pelos My Blooody Valentine que se manifesta, mais que uma vez, entre as suas novas canções. Apesar da relativa dispersão de opções e caminhos tomados, o disco tem sido apontado como um dos mais “arrumados” entre os conjuntos de canções que o grupo já apresentou. Uma certo gosto pelo inesperado, contudo, continua a marcar a forma como alinham temas num disco, a voz sombria e as palavras frequentemente enevoadas de Nick Talbot a assegurar a ligação entre os momentos que se sucedem. O disco não evita ocasionalmente algumas marcas de um gosto cenográfico que Talbot traz certamente da sua militância mais experimentalista dos dias de 90. The Western Lands é, contudo, um álbum de formas mais bem definidas, de ideias mais claras. Trust, o single de apresentação, pode não denunciar os mundos que o álbum esconde, mas, mais ainda que The Velvet Cell, single do disco anterior, mostra uma banda capaz de dominar genéticas da folk, projectando-as numa realidade que convoca outros elementos. Não que o grupo deseje esconder essa raiz primordial (até porque gravam uma versão de um tema dos Fairport Convention). Mas porque parece ser seu desafio encontrar adubos indie capazes de dar novas formas a velhas referências.Gravenhurst
“The Western Lands”
Warp
3/5
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Glasgow é um grande e vivo centro produtor de acontecimentos musicais. E das suas escolas de belas artes, que no passado nos deram já revelações várias, dos Franz Ferdinand aos Belle & Sebastian, continuam a chegar novas figuras. Os The Royal We são mais um exemplo, tendo, curiosamente, a vocalista Roxanne Clifford, ainda enquanto estudante, trabalhado em projectos gráficos para os referidos Franz Ferdinand e em vídeos para os Belle & Sebastian... Com um nome que celebra o chamado “plural majestático”, os The Royal We são mais um caso militante na multidão de bandas que nos últimos anos descobriram encantos vários em discos com 25 a 30 anos, os Blondie sendo a mais evidente das referências que chamam à sua música. O seu álbum de estreia, na verdade pouco mais que um EP de oito faixas, é todavia versátil montra de aventuras pop para guitarras, encantos pós-punk e... violino. Soam a uns The Organ, sem a costela Smiths, a uns Gossip mais magros, a uns New Young Pony Club sem angulosidades digitais e, mais de perto ainda, a uns Long Blondes. Num campeonato onde a personalidade pouco consegue já emergir entre tantas citações e referências, salva-os uma mão cheia de canções que sabem ora dosear os açúcares do encanto melodista ora desafiar as pernas à dança, sempre sob evidente alma pop (Blondie, pois então)... Destacam-se sobretudo quando convocam modelos pop de 50 e 60 ao serviço de uma dinâmica pós-punk, como se escuta em All The Rage ou, quando despem os artifícios ao esqueleto minimalista pop de I Hate Rock’N’Roll. E tem graça a versão visceral do já estafado Wicked Game de Chris Isaac... Pena, no fim, que depois de editado o disco, a vocalista tenha batido com a porta e regressado à Califórnia, fazendo de um interessante disco de estreia uma inesperada despedida... The Royal We“The Royal We”
Geographic
3/5
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Também esta semana:
Rufus Wainwright (DVD – Judy Garland), U2 (reedição), Jean Michel Jarre (regravação de Oxygene), The Magnificents, Echo & The Bunnymen (best of), The Wedding Present (live), Siousxie & The Banshees (reedições), Monkees (best of), Tom Tom Club (reedição), Carlos do Carmo, Woman In Panic, The Octopus Project
Brevemente:
10 de Dezembro: Rufus Wainwright (CD – Judy Garland), Muse (live), Pink Floyd (caixa), Happy Mondays (reedições), Sylvain Chauveau, John Lennon (reedição), Caetano Veloso (DVD), Pylon (reedição)
Dezembro: Johnny Greenwood, Radiohead, Montag
Janeiro: Magnetic Fields, British Sea Power, Sons & Daughters