quinta-feira, novembro 22, 2007

No país de David Lynch

Ainda sob efeito do genial Inland Empire, o mercado português recua trinta anos, até 1977, e dá-nos a ver, em reposição, a primeira longa-metragem de David Lynch: essa aventura sempre enigmática e envolvente que é Eraserhead.
Por um lado, importa sublinhar a própria reposição: a capacidade de o mercado — isto é, neste caso, o circuito das salas — manter viva a memória do cinema é sintoma de vitalidade cultural e económica (mesmo se, nesse campo, o contexto português continua a ser muito mais deficitário que os mais importantes mercados europeus); por outro lado, há que lembrar que Lynch iniciava, aqui, uma démarche que o iria incluir na galeria dos maiores criadores de formas da produção contemporânea.
Estamos muito para além dos pressupostos correntes do género de terror (a bem dizer, de qualquer género...). A história do homem (interpretado pelo lendário John Nance, noutros títulos identificado como Jack Nance) que deve cuidador do seu bebé-monstro é uma daquelas fábulas capaz de relativizar todas as divisões tradicionais com que organizamos a nossa experiência existencial. Trata-se de uma história de um realismo cru e, ao mesmo tempo, de uma aventura interior transfigurada em cenários de fascinante imponderabilidade — penetrar em Eraserhead é, de facto, entrar num país novo cujo mapa foi desenhado pelo próprio Lynch.