sábado, dezembro 09, 2006

Em placo: Lisa Germano

Lisa Germano em palco, há poucos dias, em Barcelona, tocando Reptiles... Muito próximo do que se viu e ouviu em Lisboa, no Santiago Alquimista. Impressões sobre o concerto logo a seguir...



Há concertos que fazem certas noites ser inesquecíveis. Sobretudo quando nem mesmo, ao regressarmos a casa, a audição compulsiva das mesmas canções, em disco, consegue em nós produzir um efeito minimamente semelhante. Foi preciso estar lá. Respirar o mesmo ar. Partilhar, em silêncio de comunhão, as mesmas músicas. Viver o mesmo momento que o músico.
Foi assim o concerto de Lisa Germano, na segunda noite do Festival Radar. Inesquecível. Envolvente. Arrepiante.
Há muito que a cantora era presença aguardada por estes lados, a sua visita como elemento da banda que acompanhava os Eels, por ocasião de discreta passagem pelo Lux há alguns anos, a saber a pouco... Magoada pelos destinos de uma indústria que a foi abandonando depois dos primeiros êxitos (relativos) em inícios de 90, chegou a anunciar uma retirada, encontrando novo destino ao serviço de uma estimulante livraria em West Hollywood. Mas a pulsão criativa dominava ainda o seu corpo e, fora de horas, novas canções foram nascendo, primeiros sinais de nova etapa revelados em 2003 no soberbo Lullaby For Liquid Pig, demanda apurada e continuada já este ano no igualmente sublime In The Maybe World, um disco nascido de reflexões em torno da ideia da morte (como noção superlativa de perda) mas que, um ano depois de composto, Lisa Germano sente, afinal, como um manifesto de vida. Assim o explicou no Santiago Alquimista. Assim o demonstrou um concerto de quase duas horas de canções discretas, sussurradas, mas gritantemente belas.
Como os dois últimos discos o sugeriam, Lisa Germano optou pela mais extrema nudez instrumental, a simplicidade atingida em diálogos para voz e piano, este último por vezes cedendo o lugar a uma guitarra. Triste, mas não depressiva (como fez questão de sublinhar), esta é uma música que acontece à flor da pele, apenas possível numa alma de sensibilidade franca, sem receio das suas fragilidades, dúvidas e limitações. Lisa não gosta muito de falar entre músicas, aproximando mais a sua vivência de palco do modelo do recital que da mais vulgar festa para interacção, risos e canções. O calor de uma plateia (e um balcão) que enchia no limite a sala levaram-na, sem que se sentisse forçada, a estabelecer frequentes pausas para notas explicativas, mesmo assim optando por juntar canções como de longos medleys se tratasse. E assim, juntas, escutámos as peças-chave dos seus dois últimos discos, tutano de uma noite que não negou visita aos anos 90, recordando pequenas maravilhas como Reptile ou Victorious Secret, em leituras despojadas, de puro assombro. A maioria das memórias mais remotas nasceu, de resto, de uma sessão de “discos pedidos”, que caracterizou a recta final do concerto.Nota sombria apenas para o alienígena acompanhamento de copos, garrafas e máquina registadora, vindo de um bar aparentemente alheado do momento que a mesma casa acolhia. Regresse, brevemente, mas em sala sem copos...

PS. Este texto foi publicado no DN