sábado, dezembro 09, 2006

Em conversa: Lisa Germano (3)


Depois de Geek The Girl, Lisa Germano recebeu, de anónimos que a não conheciam, senão pela música, uma série de livros de auto-ajuda e bíblias. “Deve ter sido porque, por causa da canção My Secret Reason, onde digo que não acredito em Deus mas preciso dele”, recorda. “Na verdade, a canção é sobre o facto de eu acreditar que o outro é Deus e que tem de encontrar força em si. E esta é a sua razão secreta… Mas muita gente tomou as palavras literalmente e leu-as de outra maneira. Não os culpo, é a sua maneira de ler. Mas mandaram-me muitas bíblias e cartas a desejar-me as melhoras… Recebo ainda hoje cartas de fãs, e quase todas dizem sempre que esperam que eu esteja bem… Ainda hoje! E essas pessoas não percebem que sou muito feliz por poder ser triste”, remata. Nada de invulgar numa mulher que em criança foi expulsa das cheer leaders da sua escola por não sorrir suficientemente.Até que ponto são as palavras que escreve a tradução próxima da mulher que as cria? Lisa reconhece que a distância é muito curta. Mas que há, claramente, uma diferença entre a artista e a mulher. “Quando escrevo uma canção, ou sinto a necessidade de a escrever, é quase como se sentisse uma vontade de reconforto comigo mesma”, explica. “Não tento escrever sobre mim mesma. Não conto as histórias da pobre Lisa que foi à loja, comeu e vomitou… Dispo sempre todas essas eventuais referências demasiado pessoais. E penso sobre que fala a canção. E aí junto as palavras. As palavras já não são sobre o acontecimento, mas sobre o assunto. Ou seja, acabam por reflectir algo mais profundo, todavia menos pessoal. E quando a canção está terminada sei que já não é pessoal, embora tenha a certeza de que haverá, pelo menos uma mais pessoa neste mundo, que a vai sentir e compreender. Ou seja, acaba por não ser apenas sobre mim”, explica. Os encontros de Lisa Germano com os seus admiradores, contudo, podem por vezes gerar equívocos. “É mais fácil quando me escrevem e contam o que sentem”, confessa. Até porque, quando encontra pessoas ao vivo, pode não ser reconhecida como a imaginam. Ou seja, “podem esperar que seja diferente”, diz. “Muitas vezes encontro pessoas que me encaram com surpresa por estar tão bem disposta”, descreve. “Há pessoas que tomam a minha música de uma forma muito pessoal e a encaram à sua maneira, sentindo-a como se falasse sobre si mesmos. E quando me conhecem posso não ser o que esperam. E aí tenho receio de os desapontar. Por isso prefiro que não me conheçam pessoalmente. Que escutem a música e a sintam”, confessa. Mas por vezes acontece o contrário. Numa ocasião, Lisa estava num aeroporto, num dia de muito boa disposição, lendo, e uma senhora abeirou-se de si, dizendo-lhe que era a pessoa com ar mais infeliz no mundo, e que esperava que descobrisse a felicidade e encontrasse Deus. “Respondi-lhe que até estava bem, agradeci… Mas aquilo perturbou-me. O que terá visto em mim?”.
P.S. Entrevista originalmente publicada na revista '6ª', do Diário de Notícias