domingo, dezembro 31, 2006

A cinefilia depois de "Borat" (3/3)

Anna Karina em "Viver a Sua Vida" (1962), de Jean-Luc Godard
Na cinefilia há uma pulsão de repetição que tanto nos remete para a utopia infantil do desejo (onde nada morre) como para uma noção redentora do cinema como permanente renascimento (mesmo através da própria morte). Daí a paradoxal relação com a morte que o cinéfilo sempre protagoniza — por um lado, sabemos que nada se refaz com a pureza do original; por outro lado, fazer cinema é também viver através dessa miragem feliz de uma pureza de que procuramos ser dignos.
Assim, por exemplo, Anna Karina filmada por Jean-Luc Godard, em Viver a Sua Vida (1962). A harmonia do seu rosto — ou, para utilizarmos a terminologia do filme: da sua alma — é algo que basta para a fazer existir como personagem; em todo o caso, a proximidade da fotografia de Elizabeth Taylor parece definir uma genealogia de cumplicidades que, pelo menos dentro do cinema, não tem origem nem procura um fim. Uma poética da identidade.
Daí que o cinéfilo tenha um fascínio inalienável pela linguagem. Em sentido o mais amplo possível: não apenas a linguagem como "veículo" de expressão, mas sobretudo como arte de viver entre as imagens e as palavras, as palavras e a escrita, a escrita e o pensamento. É disso mesmo que Karina fala com o filósofo Brice Parain, justamente em Viver a Sua Vida — podemos revê-los, aqui, em ponto pequeno.



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