Anna Magnani em Roma, Cidade Aberta (1945), de Roberto Rossellini |
A dicotomia “informação/opinião” faz parte da dinâmica do espaço televisivo; cada vez mais é urgente pensar o seus impasses — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 dezembro).
Algumas intervenções recentes nos meios de comunicação têm reflectido a urgência de questionar certas formas de “jornalismo” que estão a poluir as virtudes clássicas de um sistema audiovisual de informação que se quer democrático. Como espectador, não posso deixar de celebrar a muito básica, mas essencial, lucidez e pedagogia de tais intervenções.
Por exemplo, chamando a atenção para o facto de algumas linguagens televisivas funcionarem como ecos automáticos de todo o tipo de agitação verbal ou iconográfica gerado por um partido como o Chega. Porquê e, sobretudo, para quê transformar em compulsão mediática aquilo que, em boa verdade, foi concebido apenas para criar ruído audiovisual?
Cristina Ferreira |
Há outras maneiras de dizer isto, não esquecendo o lugar-comum que todos repetem — “vivemos numa sociedade de imagens” —, mas poucos arriscam pensar. Permito-me, por isso, citar o parágrafo seguinte, a propósito de uma série de “análises” sobre o 25 de Abril.
“A vaga de debates sobre o 25 de Abril deixa um estranho depósito de amargura. Como se a razão fundamental de tais debates tivesse sido a necessidade de redistribuir culpas, mais do que repensar factos. Cenário de uma ferida familiar com cura adiada. Há nessa sensação incómoda um sinal inevitavelmente revelador: os vencedores do 25 de Abril (militares e políticos) não conseguiram sedimentar um discurso claro — e claramente afirmativo — que penetrasse, sem traumas por resolver, no imaginário colectivo da história, da nossa história.”
Vitorino Nemésio |
Afinal de contas, a democracia tem Cristina Ferreira a dominar os nossos ecrãs, enquanto o Estado Novo propunha Vitorino Nemésio em horário nobre… Dá que pensar, sobretudo se pensarmos também que reflectir sobre os crimes da ditadura salazarista não é o mesmo que encenar o 25 de Abril como a porta de entrada num paraíso sem mácula.
Repito: uma proposta de reflexão deste teor não me coloca do lado de uma “razão” intocável ou indiscutível. Sou apenas sensível à necessidade, de uma só vez política e ética, de não abdicar de pensar o modo como o sistema televisivo passou a ser o principal (o único?) factor de organização da nossa vida social.
Nessa medida, revejo-me ainda e sempre nas palavras serenas de Roberto Rossellini, na altura reflectindo sobre o papel do Estado face à evolução do espaço televisivo: “Devemos exigir que se abra, no seio das televisões europeias, um autêntico debate sobre a missão da televisão, sobre as pesquisas a desenvolver para inventar as novas linguagens que, em função de um grande número de sinais, somos levados a pensar que são aguardadas pela sociedade contemporânea” — são palavras de 1972.