Vergílio Ferreira
>>> Mon amour. My love. Não há línguas bastantes para te dizerem. Esta música ao menos, se ela te dissesse. Na melancolia grave que está entre a alegria e a amargura. Ou antes de uma e outra. Ou depois. Ouço-a, esqueço-me, o papel no chão. Leio-o de cima «vou-me embora». Saída das ondas como quando havia deuses. E o sol. Cai-te a prumo nos cabelos claros, acende a festa do teu corpo. Saída das ondas — saída dos livros que em muralha de cima a baixo, de um lado ao outro da sala. Cinquenta anos de saber, tu antes e depois, o disco acabou. Mas envelheceste tanto. Os carros na avenida. Cresce o ruído dos motores como quem chega a um limite. O telefone. Quem chama? O disco recomeça.
Fiel a um intimismo alheio a esquematizações "psicológicas", Vergílio Ferreira prolongava a sua escrita focada na existência humana, na carência histórica de todas as essências.
Depois de romances como Alegria Breve (1965) ou Nítido Nulo (1971), Rápida, a Sombra reencontra os labirintos de uma solidão que os detalhes do quotidiano espelham de forma enigmática, paradoxalmnte transparente — memórias de um presente de muitas descrenças, não purificando o passando, não sacralizando o futuro.