[ Academia Portuguesa de Cinema ] |
Figura central do cinema e do jornalismo cinematográfico gerados na época das "novas vagas", António-Pedro Vasconcelos faleceu no dia 5 de março, em Lisboa — contava 84 anos.
Foi uma personalidade marcante de mais de meio século de história do cinema e da cultura portuguesa. Muito activo nos debates sobre as políticas culturais e, em particular, a relação cinema/televisão, deixa um legado que, para lá dos resultados concretos de cada filme, envolve a obstinada observação da sociedade portuguesa, das suas convulsões morais e também das singularidades de personagens mais ou menos solitárias, próximas do conceito clássico de anti-heróis.
As linhas que se seguem fazem parte de um texto publicado no Diário de Notícias (7 março), intitulado 'Para nunca mais fazermos 20 anos'.
De António-Pedro Vasconcelos dir-se-á sempre que foi um criador que nunca desistiu de pensar a possibilidade de um cinema português que conseguisse conciliar a dimensão autoral com algum impacto comercial. Dito de outro modo: a expressão na primeira pessoa, inerente ao imaginário do Cinema Novo a que pertenceu, podia coexistir com a metódica consolidação de uma base industrial alicerçada numa relação estável e feliz com os espectadores.
Mais de meio século depois de Perdido por Cem (1972), a primeira longa-metragem de APV (sigla carinhosa pela qual era frequentemente identificado), importa não reduzir a multiplicidade do seu trabalho ao desencanto cinéfilo que manifestou em anos recentes — em 2018, na altura em que a Cinemateca lhe dedicou uma retrospectiva integral, dizia mesmo, em declarações ao Observador (entrevista de Bruno Horta, 14 junho), que “o cinema português hoje é irrelevante”. Aliás, esse desencanto encontrou uma expressão contundente, tão sincera quanto discutível, na sua avaliação do trabalho de Jean-Luc Godard: primeiro visto como uma referência incontornável da modernidade, mais tarde condenado como “coveiro” do cinema europeu.
Sem nunca ter desenvolvido uma obra de “temáticas sociais” (pelo menos no sentido em que, na mesma época, trabalhavam, por exemplo, os herdeiros do neo-realismo no interior da produção de Itália), APV não deixou de assinar filmes que, directa ou simbolicamente, espelham movimentos muito particulares da sociedade portuguesa. Semelhante atitude criativa não pode ser dissociada do gosto e da pertinência com que se exprimiu também na área documental. Recorde-se o exemplo modelar de 27 Minutos com Fernando Lopes Graça (1971) e também, logo após Perdido por Cem, a produção televisiva Adeus, Até ao Meu Regresso (1974) construída a partir das “mensagens de Natal” de soldados que combateram na Guerra Colonial — a estreia, na RTP, ocorreu na véspera do Natal de 1974.
Para APV, a vontade de internacionalização da produção teria a sua expressão mais relevante na realização daquele que, na altura, foi rotulado como o “mais caro filme português de sempre”: Aqui d’El Rei! (1992), um fresco histórico e, uma vez mais, melodramático sobre os tempos finais da monarquia, reunindo meios, actores e técnicos provenientes de Portugal, Espanha e França. Com uma nuance de concepção, hoje em dia normal, mas na altura pouco frequente: Aqui d’El Rei! foi lançado como longa-metragem de cinema e mini-série de televisão.
>>> APV em Viseu — Tedx Talks (23 jan. 2016).