terça-feira, fevereiro 06, 2024

Jon Batiste — na intimidade da música

Jon Batiste em American Symphony: a música nasceu da alegria e do drama

Popularizado na televisão pelo programa de Stephen Colbert, The Late Show, Jon Batiste é um pianista e criador musical com uma notável trajectória artística. Graças ao filme American Symphony (Netflix), podemos descobrir o processo fascinante, eufórico e dramático, de gestação da sua composição mais ambiciosa.

Para muitos de nós, espectadores interessados nos “talk shows” que chegam dos EUA (pela televisão, plataformas de streaming ou YouTube), Jon Batiste começou por ser o pianista, seguro, versátil e comunicativo, do programa de Stephen Colbert, The Late Show (CBS). Agora, de acordo com as previsões da imprensa especializada americana, com destaque para a “bíblia” de Hollywood que é a revista Variety, o filme American Symphony, sobre a sua monumental composição com o mesmo título, perfila-se como o candidato mais forte ao Oscar de melhor documentário — as nomeações [foram] conhecidas no dia 23 deste mês, estando a cerimónia marcada para 10 de março.
Em boa verdade, estes dados estão longe de abarcar a espectacular variedade de uma trajectória criativa capaz de acolher, homenagear e reinventar as mais diversas matrizes da música popular “made in USA”. Sem esquecer, claro, que na sua galeria de prémios já existe um Oscar (partilhado com Trent Reznor e Atticus Ross), ganho com a música original de Soul: Uma Aventura com Alma, produção dos estúdios Pixar com assinatura da dupla Pete Docter/Kemp Powers — o filme arrebatou também a estatueta dourada de melhor longa-metragem de animação de 2020.
Na verdade, 2024 poderá ser um ano de muitas consagrações para Batiste, já que nos Grammys [realizados a 5 de fevereiro] está nomeado para nada mais nada menos que seis prémios, incluindo o de melhor álbum do ano, com World Music Radio [não obteve qualquer prémio]. Outra das suas nomeações envolve Did You Know That There's a Tunnel Under Ocean Blvd, de Lana Del Rey, também um álbum candidato a melhor do ano; no seu alinhamento encontramos Candy Necklace, canção que conta com a participação de Batiste, por sua vez nomeada para o Grammy de melhor interpretação de um duo ou grupo pop.

Um desafio dramático

American Symphony está disponível na Netflix. Sejam quais forem as distinções que o documentário possa vir a obter, uma coisa é certa: estamos perante uma invulgar experiência cinematográfica. E escusado será sublinhar o modo como tal experiência se apresenta marcada pela contagiante energia da música, cruzando sinais da formação jazzística de Batiste (sempre presente em The Late Show, com a sua banda Stay Human) com muitas contaminações de elementos provenientes da soul, rhythm and blues ou hip hop. Matthew Heineman, realizador de American Symphony, quis corresponder a um convite do próprio Batiste no sentido de filmar a gestação da sua sinfonia, desembocando na estreia, a 22 de setembro de 2022, em Nova Iorque, no palco do lendário Carnegie Hall. Seria o prolongamento de uma colaboração concretizada um ano antes, já que o músico tinha composto a banda sonora de The First Wave (2021), documentário de Heineman sobre o impacto do covid no dia a dia de um hospital de Nova Iorque.
Com o apoio de Barack e Michelle Obama, na condição de produtores executivos, American Symphony rapidamente se pôs em marcha, mas a sua lógica narrativa viria a ser dramaticamente desafiada. Em finais de 2021, num contexto ainda fortemente marcado pela pandemia, Suleika Jaouad, companheira de Batiste, anunciou que tinha sido sujeita a um transplante de medula óssea — era a segunda vez que tal lhe acontecia, já que, desde 2011, Jaouad sofre de uma forma rara de leucemia, tendo dedicado grande parte do seu trabalho jornalístico a temas relacionados com a doença, nomeadamente numa coluna do New York Times, intitulada “Life, Interrupted”.
O documentário de Heineman é o resultado desse angustiante contraste: por um lado, a intimidade, a urgência e as incertezas de um delicado tratamento clínico; por outro lado, o verdadeiro carrossel de acontecimentos, incidentes, euforias e imprevistos que é a preparação de uma complexa composição musical e da sua performance.

O valor da música

Talvez possamos definir Jon Batiste como um paradoxo artístico: aos 37 anos de idade (nasceu a 11 de novembro de 1986, na zona de Metairie, na área metropolitana de Nova Orleães), a sua carreira multifacetada faz dele um verdadeiro veterano. E não apenas porque se estreou em palco aos 8 anos, integrando a banda da família (Batiste Brothers Band); afinal de contas, lançou um primeiro álbum, Times in New Orleans, no verão de 2005, ainda antes de completar 19 anos [e usando o nome próprio Jonathan].
A sua carreira inclui uma longa lista de colaborações com nomes como Prince, Stevie Wonder, Mavis Staples, Willie Nelson, Lenny Kravitz ou a já citada Lana Del Rey. Além do Oscar, o seu trabalho no filme Soul: Uma Aventura com Alma foi distinguido com um Globo de Ouro, um Grammy e um BAFTA. E antes de World Music Radio, We Are (2021) valeu-lhe quatro Grammys, incluindo melhor álbum do ano e melhor teledisco (com a canção Freedom).
Numa entrevista publicada na Variety, a 31 de agosto de 2023, por altura da estreia absoluta de American Symphony no Festival de Cinema de Telluride, no estado do Colorado, Suleika Jaouad resumiu de forma exemplar a aventura emocional do filme: “Hoje em dia, na cultura popular, o facto de encontrarmos tantas narrativas sobre doenças fez-me sentir que o realmente importante não era apenas contar uma história do ponto de vista de alguém que sobreviveu e acabou por encontrar um final feliz. Tratava-se de mostrar em detalhe o que significa, não só estar doente, mas viver como um ser humano que está também a tentar criar coisas novas e viver em comunidade.”
Jon Batiste reflecte sobre isso mesmo, logo numa das primeiras cenas de American Symphony. Assim, depois de o revermos no programa de Stephen Colbert, descobrimo-lo ao piano, em sua casa, ao mesmo tempo que, em off, a sua voz desmente uma ideia tradicional: “O que adoramos na música não é o facto de soar bem.” Como explicar, então, o nosso fascínio? “O que adoramos na música é o facto de parecer inevitável.”