sexta-feira, dezembro 15, 2023

Leonard Bernstein
ou a felicidade da música

Bernstein gravou o seu West Side Story, de 1957, num álbum de 1984

Na história de Leonard Bernstein, a actividade de maestro cruza-se com o trabalho de compositor, sendo West Side Story uma referência central em que se ligam a experiência de palco e o espectáculo segundo Hollywood — este texto, a propósito da estreia de Maestro, foi publicado no Diário de Notícias (7 dezembro).

Leonard Bernstein (1918-1990) e Felicia Montealegre (1922-1978) tiveram três filhos: Jamie, Alexander e Nina. Não é, evidentemente, por acaso que, no final do genérico de Maestro, Bradley Cooper agradece o apoio que deles recebeu para a concretização do seu filme. Mais, muito mais, do que o reconhecimento de uma mera caução “factual”, tal agradecimento pode ser interpretado como um laço emocional que prolonga o misto de entrega e celebração com que Bernstein viveu a música — e para a música.
Os filhos de Bernstein fizeram questão em agradecer publicamente, através de uma carta, a “alegria de coração aberto” com que Cooper tratou as memórias do pai. Para Bernstein, compor ou dirigir uma orquestra nunca foi o resultado de um mero apuramento técnico (que, obviamente, nunca lhe faltou), antes a procura de um entendimento humano da música capaz de mobilizar o público para lá de qualquer clivagem simplista entre a sensibilidade “erudita” e a cultura “popular”.
Há um sinal de tudo isso no facto de, na sua vasta discografia, encontrarmos uma singularíssima revisitação daquela que continua a ser a sua obra mais conhecida: West Side Story, com letras de Stephen Sondheim — foi um musical da Broadway estreado em 1957, depois um filme de 1961 co-dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins (que tinha coreografado a produção do palco), e ainda uma nova versão cinematográfica, estreada há dois anos, com assinatura de Steven Spielberg. O certo é que, durante mais de duas décadas, Bernstein nunca dirigiu o seu West Side Story. Aconteceu em 1984, em estúdio, para a Deutsche Grammofon, numa gravação com um elenco de luxo, liderado por Kiri Te Kanawa e José Carreras, respectivamente como Maria e Tony — um verdadeiro clássico “instantâneo” que, além de filmado para um documentário da BBC (The Making of West Side Story), arrebatou um Grammy para Melhor Álbum de Teatro Musical [video do filme].


A sua afirmação como maestro, a começar pela inesperada estreia no Carnegie Hall no dia 14 de novembro de 1943 (momento emblemático que o filme encena), aconteceu em paralelo com o trabalho de compositor. No cinema, e não só. Assim, a par da composição de West Side Story, Bernstein foi escrevendo a opereta Candide, inspirada na obra de Voltaire (publicada em 1759) avaliando os êxtases e limites da ideia de felicidade. A ligação a Hollywood passaria também por On the Town (Um Dia em Nova Iorque), com Frank Sinatra e Gene Kelly (que repartia a realização com Stanley Donen), tendo como base o seu musical estreado, na Broadway, cinco anos antes. Tudo isto em esquecer, claro, a banda sonora de visceral dramatismo que compôs para Há Lodo no Cais (1954), de Elia Kazan, com Marlon Brando [video: On the Waterfront Suite, Orquestra da Televisão e da Rádio de Espanha, maestro Christian Lindberg].
Notável especialista de Gustav Mahler (a integral das sinfonias existe numa edição da Sony Music com data de 2020), foi também, no pequeno ecrã, um invulgar divulgador da música através dos lendários Concertos para Jovens, originalmente transmitidos pela CBS, entre 1958 e 1972. Tais programas envolvem a afirmação de um princípio democrático previamente enunciado por um criador do cinema, Roberto Rossellini (1906-1977): a obrigação de, no plano cultural, o espaço televisivo assumir a sua vocação eminentemente pedagógica.