Uma poderosa imagem de marca, há mais de uma década dominante no mercado cinematográfico global |
O mais recente filme dos estúdios Marvel, As Marvels, é um aparatoso desastre comercial — eis um dado objectivo que justifica uma breve reflexão sobre o que é, ou pode ser, a criatividade cinematográfica — este texto foi publicado no site da SIC Notícias (13 novembro).
Estreado há poucos dias em todo o mundo, As Marvels, 33º filme dos estúdios Marvel — integrado no chamado Marvel Cinematic Universe (MCU) — foi abordado pelo New York Times num artigo com um título letal: “Você já viu este filme 32 vezes”. Entretanto, depois do respectivo falhanço de bilheteira durante o fim de semana, quer o Variety, quer The Hollywood Reporter, avaliaram os resultados de forma desencantada, classificando-os como um “desastre” (usando a palavra “bomb”, característica da gíria americana da imprensa especializada na área do cinema).
Vale a pena registar o facto, lembrando que não se trata de deduzir valores artísticos do dinheiro que os filmes custam ou rendem, como também seria fútil citar esse dinheiro para avaliar os resultados cinematográficos de uma qualquer produção. Para os mais precipitados, e não esquecendo que estes são filmes de gigantescos orçamentos, convém acrescentar, por contraste, que um qualquer filme independente feito com meia dúzia de tostões não é uma obra-prima só porque nasceu no meio de grandes limitações financeiras…
O desastre comercial de As Marvels pode parecer estranho, quanto mais não seja porque, no fim de semana de estreia, no mercado global, o filme acumulou a soma astronómica de 110 milhões de dólares. Ora, como Variety e The Hollywood Reporter analisam, isso é francamente pior que os 190 milhões que Capitão Marvel (2019) obteve num período idêntico — e é, sobretudo, péssimo para um filme que, assim o dizem as informações disponíveis, terá custado cerca de 270 milhões.
Em qualquer caso, essas são contas que devem ocupar a tesouraria do império Disney (que adquiriu a Marvel Entertainment em 2009 por 4 mil milhões de dólares). Neste momento, face a esta queda, o que emerge é o frágil factor nuclear de todo um “conceito” de cinema.
Claro que é mais que provável que o falhanço de As Marvels não abale a estrutura de produção dos estúdios Marvel — até porque não será arriscado prever que os próximos títulos da MCU serão novos sucessos financeiros. De um ponto de vista cinéfilo (entenda-se: exterior aos valores dos gestores financeiros), faz sentido encarar a ocasião recordando uma questão ancestral: não basta possuir uma elaborada estratégia de marketing — estratégia que, evidentemente, não falta à Marvel — para manter um programa, seja ele qual for, de criação cinematográfica.
Assim, é normal (e, mais do que isso, salutar) que manifestemos muitas diferenças quando avaliamos os filmes. O “bom” ou “mau” dos juízos de valor faz parte das diferenças de pensamento e sensibilidade que nos aproximam ou afastam, eventualmente gerando um diálogo interessante. Acontece que reduzir os filmes a uma mera contabilidade de mais milhões ou menos milhões está longe de ser, por si só, uma ideia criativa de cinema. Além de que, como se prova, essa contabilidade está também muito longe de ser a garantia de um público fiel.