Pentesileia: o presente visto a partir do século XIX |
Os ecos da peça Pentesileia, de Henrich von Kleist, no nosso tempo são profundamente enigmáticos — o que, entenda-se, não impede que as suas palavras, escritas no começo do século XIX (embora só representadas em 1876, 65 anos passados sobre a morte do autor), se distingam por uma claridade envolvente. Encenada por António Pires, a partir de uma nova tradução de Luísa Costa Gomes, Pentesileia possui a sedução radical de um acontecimento cujas memórias de muitos passados não se deixam retirar do nosso presente. É o milagre do tempo que se expõe, assim, numa fantasia realista.
O trabalho do elenco — Alexandra Sargento, Carolina Serrão, Francisco Vistas, Graciano Dias, Iris Runa, Jaime Baeta, João Barbosa, Rita Durão (Pentesileia), Tiago Negrão e Vera Moura — é especialmente revelador: evolui numa ambivalência de tom cuja neutralidade (estranha e muito discutível palavra...) desnuda a carne da tragédia, distanciando-a também através de uma ironia que não necessita de sublinhados. Como se as atribulações mortais com que os humanos pontuam a sua existência encontrassem nas aventuras de Pentesileia e suas Amazonas um espelho difícil de contemplar, mas de que não é possível desviar o olhar.
Cito, por isso, as palavras cristalinas de Luísa Costa Gomes no programa do Teatro do Bairro: "Para Kleist, a verdadeira missão do dramaturgo é restaurar a grandeza da tragédia. A sua ambição de grandeza é insaciável e ela está presente em tudo o que escreveu. Não é da sua responsabilidade que a linha divisória entre a tragédia e a comédia seja tão fina. Kleist é o poeta das inseminações: o sonho insemina e infecta a realidade, que é, ela mesma, cheia de prodígios."
É dessa realidade infectada que aqui se trata. Gregos e troianos renascem num cenário de Alexandre Oliveira cuja dureza não exclui, antes reforça, a volubilidade da areia que nele se expõe e representa. No limite, talvez se possa dizer que Pentesileia desnuda o equívoco filosófico de qualquer noção de poder político — ou de qualquer noção política de poder. A dor que circula pelas palavras de Kleist atrai, afinal, o pressentimento de um riso suspenso. À sua maneira, será uma forma de suspense capaz de revelar a alegria e o sofrimento do factor humano.
O trabalho do elenco — Alexandra Sargento, Carolina Serrão, Francisco Vistas, Graciano Dias, Iris Runa, Jaime Baeta, João Barbosa, Rita Durão (Pentesileia), Tiago Negrão e Vera Moura — é especialmente revelador: evolui numa ambivalência de tom cuja neutralidade (estranha e muito discutível palavra...) desnuda a carne da tragédia, distanciando-a também através de uma ironia que não necessita de sublinhados. Como se as atribulações mortais com que os humanos pontuam a sua existência encontrassem nas aventuras de Pentesileia e suas Amazonas um espelho difícil de contemplar, mas de que não é possível desviar o olhar.
Cito, por isso, as palavras cristalinas de Luísa Costa Gomes no programa do Teatro do Bairro: "Para Kleist, a verdadeira missão do dramaturgo é restaurar a grandeza da tragédia. A sua ambição de grandeza é insaciável e ela está presente em tudo o que escreveu. Não é da sua responsabilidade que a linha divisória entre a tragédia e a comédia seja tão fina. Kleist é o poeta das inseminações: o sonho insemina e infecta a realidade, que é, ela mesma, cheia de prodígios."
É dessa realidade infectada que aqui se trata. Gregos e troianos renascem num cenário de Alexandre Oliveira cuja dureza não exclui, antes reforça, a volubilidade da areia que nele se expõe e representa. No limite, talvez se possa dizer que Pentesileia desnuda o equívoco filosófico de qualquer noção de poder político — ou de qualquer noção política de poder. A dor que circula pelas palavras de Kleist atrai, afinal, o pressentimento de um riso suspenso. À sua maneira, será uma forma de suspense capaz de revelar a alegria e o sofrimento do factor humano.
* PENTESILEIA
Teatro do Bairro, Lisboa
> até dia 5 de fevereiro