quinta-feira, janeiro 12, 2023

As aventuras do Rato Mickey no século XXI

Walt Disney, fundador de um dos impérios do mundo do espectáculo
© AFP PHOTO / The Walt Disney Company / © Disney [DN]
Notícia de Hollywood: em 2023, os estúdios Disney vão comemorar 100 anos. Nos tempos de Walt Disney, os desenhos animados definiam as suas principais componentes artísticas. Agora, no seu império de produção e difusão, encontramos um pouco de tudo, incluindo os super-heróis da Marvel e o novo Avatar — este texto foi publicado na edição especial que assinalou os 158 anos do Diário de Notícias (29 dezembro).

Foi no dia 16 de outubro de 1923 que Walt Disney (1901-1966) e o seu irmão Roy O. Disney (1893-1971) fundaram a empresa cinematográfica cujo nome simplificado — “Disney” — se tornou um símbolo universal do espectáculo (ou do entertainment, para sermos fiéis às origens). A sua mascote, o Rato Mickey, impôs-se como um ícone sem fronteiras, seguindo-se Pinóquio [foto], Bambi, etc. Apetece dizer: o resto é história…
Ou talvez não. Isto porque as comemorações dos 100 anos da Disney — que, não tenhamos dúvidas, irão pontuar o panorama cinematográfico de 2023 — ocorrerão num contexto bem diferente. Vale a pena recordar que a última grande produção que Walt Disney acompanhou foi Mary Poppins (1964), transformando Julie Andrews numa estrela, para mais consagrada com o Oscar de melhor actriz. E também que os tempos que se seguiram, em especial os desenhos animados das décadas de 70/80 (Robin dos Bosques, As Aventuras de Bernardo e Bianca, Rato Basílio, O Grande Mestre dos Detectives, etc.) são, no plano artístico, dos menos interessantes na história da Disney.
Se há um momento de viragem a partir do qual o “conceito” Disney se refaz e repensa, lançando as bases do império consolidado neste século XXI, esse momento não pode ser desligado do nome de Jeffrey Katzenberg. Foi durante a sua gestão da produção cinematográfica que nasceram sucessos como Três Homens e um Bebé (1987) ou Bom Dia, Vietname (1987), iniciando-se também uma reconversão radical do departamento de animação, gerando títulos como A Pequena Sereia (1989) ou A Bela e o Monstro (1991), primeira longa-metragem de desenhos animados a obter uma nomeação para o Óscar de melhor filme, para desembocar no fenómeno global de O Rei Leão [foto] (1994).

Entertainment global


Os números mais recentes da companhia são impressionantes, reforçando o lugar da Disney na linha da frente do entertainment global. Assim, em agosto, a Walt Disney Company fez saber que, nos nove meses anteriores, acumulou lucros de 2.983 milhões de dólares (contas redondas: 2.900 milhões de euros), numa dinâmica em que os filmes e os parques temáticos passaram a ter como “rivais” as plataformas de streaming, com destaque para a Disney+, actualmente com mais de 160 milhões de assinantes (ainda que seja um sector deficitário, devido aos elevados custos de produção).
O certo é que a 20 de novembro, a administração da Disney dispensou os serviços do director executivo, Bob Chapek. A sua gestão, privilegiando os parques temáticos, terá menosprezado os sectores criativos, além do mais favorecendo diversos episódios mediáticos (incluindo um conflito com Scarlett Johansson por causa do valor do seu contrato no filme Viúva Negra) que abalaram a imagem pública da companhia. Alternativa? Um inesperado “regresso ao futuro”: o anterior CEO, Bob Iger, foi de novo contratado, agora por dois anos, tendo por missão reorganizar a companhia e encontrar um sucessor.

Branca de Neve & Avatar


Se Walt Disney foi o pioneiro lendário dos tempos heróicos da animação, o panorama actual é bem diferente — a começar pela animação, precisamente. Exemplo sugestivo: o cowboy Woody e o astronauta Buzz Lightyear são agora símbolos do cinema da Disney e dos seus parques temáticos, mas começaram em Toy Story (1995), como criações dos estúdios Pixar, comprados pela Disney em 2006. A Pixar foi, afinal, a primeira grande aquisição do primeiro período de Bob Iger como CEO (2005-2020): custou 7,4 mil milhões de dólares. Seguiram-se a Marvel Entertainment (4 mil milhões), a Lucasfilm (4 mil milhões) e a 20th Century Fox (71 mil milhões), com todo o seu património televisivo e cinematográfico, incluindo os estúdios de animação que produziram os títulos de A Idade do Gelo [foto].
Há outra maneira de dizer isto: da primeira longa-metragem de animação, Branca de Neve e os Sete Anões (1937), até às mais recentes atribulações dos super-heróis da Marvel, passando pelas odisseias, em cinema e televisão, dos heróis de Star Wars, tudo isso integra o gigantismo da Disney. Sem esquecer que o primeiro Avatar (2009), de James Cameron, nasceu na 20th Century Fox, enquanto o segundo, Avatar: O Caminho da Água, estreado em meados de dezembro, tem chancela Disney, através da mesma companhia de produção, ainda que renomeada para 20th Century Studios.
Para o seu segundo mandato, Bob Iger irá enfrentar aquilo que, tanto em termos artísticos como financeiros, configura uma verdadeira crise de crescimento, mesmo se os analistas de Hollywood responsabilizam Bob Chapek pelos elementos mais dramáticos dessa crise. Num recente artigo na Variety (29 nov.), Tyler Aquilina resumia a situação com cruel ironia, escrevendo que a reorganização proposta por Bob Iger vai tentar “resolver os problemas que ele ajudou a semear”.