sábado, setembro 17, 2022

Cineclube do Porto
— ontem, hoje e amanhã

Um livro de memórias. Não um livro de nostalgia beata. O impulso nostálgico está lá, como é óbvio, quanto mais não seja porque não é coisa comum um cineclube comemorar 75 anos — aconteceu em 2020, uma vez que foi em 1945 que Hipólito Duarte promoveu a fundação do Cineclube do Porto. Mais do que isso: o que realmente conta é a manutenção de uma actividade multifacetada de divulgação e pensamento do cinema, e para o cinema.
Editado em 2022 pela Afrontamento, A Vida É um Filme resulta, assim, de um didactismo exemplar: por um lado, trata-se de percorrer os vários capítulos das "histórias e memórias" que o subtítulo refere; por outro lado, o seu labor evocativo nunca é estranho a referências mais alargadas que, em última instância, remetem para a história do cinema, em especial a história da sua divulgação crítica, em contexto português.
Essencial para o resultado — e para a importância prática e simbólica desta edição — é o trabalho de coordenação do jornalista Manuel Vitorino. Para lá da integração de quase duas dezenas de crónicas (por exemplo, de Alexandre Alves Costa, António Roma Torres ou Jorge Campos), trata-se também de definir uma linha de informação e reflexão que não se esgota no inventário cronológico, antes procura revisitar os dramas e alegrias do gosto ancestral de ver e partilhar filmes.
Num texto revelador (precisamente uma das crónicas), o próprio Manuel Vitorino celebra esse gosto citando aquele que classifica como "o primeiro grande filme da minha vida". Ou seja: Ladrões de Bicicletas (1948), de Vittorio De Sicca, momento emblemático do neo-realismo italiano que, como sabemos, há muito transcendeu o contexto em que foi rodado — obviamente sem deixar de ser um testemunho, tão delicado quanto exuberante, desse contexto.
Provavelmente, é esse um princípio canónico de qualquer trabalho cinéfilo: conhecer os vectores universais da história dos filmes, sem menosprezar o carácter irredutível da geografia cultural de cada um deles — vale a pena, por isso, recordar algumas imagens, ligando passado e presente a algum desejo de futuro, através da admirável cópia de Ladrões de Bicicletas resultante de um restauro, promovido em 2018, pela Cinemateca de Bolonha.