Tawfeek Barhom, invulgar intérprete |
Apresentado na competição do Festival de Cannes, Boy from Heaven aborda, em tom quase policial, as relações internas da Universidade de Al-Azhar, no Cairo — este texto está publicado no Diário de Notícias (22 maio).
O simples facto de o filme Boy from Heaven, de Tarik Saleh, se passar na Universidade de Al-Azhar, no Cairo, é suficiente para lhe conferir o fascínio muito próprio de desvendamento de um universo que existe entre a sua lendária posição pública (a sua fundação remonta a finais do século X), a sua identidade islâmica e o secretismo das suas relações.
Nascido de pai egípcio e mãe sueca, o realizador (há alguns anos “persona non grata” no Egipto) não quis, obviamente, fazer um objecto “documental”. Aliás, se Boy from Heaven possui uma subtil capacidade de revelação e perturbação, isso decorre da sua hábil estrutura quase policial, gerindo um “suspense” que decorre da teia que vai envolvendo o jovem estudante Adam, interpretado pelo magnífico Tawfeek Barhom.
Da ingenuidade à inusitada compreensão dos poderes com que começa a lidar, Adam vai sendo confrontado com um jogo de conflitos ou cumplicidades (por vezes, conflitos e cumplicidades) que, em boa verdade, não tinha antecipado. No limite, descobre um perverso sistema de equilíbrios (e desequilíbrios) entre poder religioso e poder político, conferindo a Boy from Heaven a intensidade de uma parábola visceralmente egípcia. Sem generalizações fáceis nem esquematismos morais — antes expondo a vulnerabilidade individual face a um universo cimentado em regras ancestrais de saber e transmissão do saber.