quinta-feira, março 31, 2022

A democracia ameaçada pela maioria!

PAUL KLEE
Pintura de maio
1925

A. A cena política portuguesa — dos protagonistas directos até aos chamados meios de comunicação — continua enquistada no seu infantilismo de pensamento. Aliás, nem se trata de pensamento, apenas da incessante colagem de fait divers, incidentes e soundbytes, num delírio em que, como se pode observar, quase todos os envolvidos se reconhecem e deleitam.

B. Surgiu, agora, uma nova mitologia — mitologia que, como Roland Barthes nos ensinou, funciona como uma narrativa que se espalha como um vírus ideológico. A saber: a existência de uma maioria parlamentar pode ser uma terrível ameaça para a democracia! Eis o que se pode chamar uma forma perversa de desqualificar e, no limite, insultar "aquilo" que, de acordo com os mensageiros de tal ameaça, se diz estar a defender — ou seja, a vontade do povo.

C. Escusado será dizer que o reconhecimento desta perversidade — que só contribui para diminuir os fundamentos e as práticas de qualquer dinâmica democrática — seria sempre válido, fosse qual fosse a força política detentora de tal maioria. Mas não nos iludamos: até mesmo esta ideia está fragilizada, já que o mesmo tipo de (não-)pensamento tende a encarar qualquer reflexão política como expressão de alguma acção partidária.