terça-feira, abril 20, 2021

Ser ou não ser jogador de xadrez

Max Pomeranc

Jogada Inocente é o retrato de um menino de 7 anos, génio do xadrez: admirável estreia na realização de Steven Zaillian, o filme está, discretamente, disponível em streaming — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 março).

Consultamos a ficha de Jogada Inocente (Netflix) e ficamos a saber que é a história de um “génio do xadrez” com 7 anos de idade, surgindo identificado como do género de “filmes para toda a família”. Estranhamente, tal generalização parece limitada pelo facto de ser “recomendado para maiores de 13 anos”…
Não seria necessário, muito menos obrigatório, qualquer enquadramento crítico para apresentar o filme, mas é pena que esta pérola da produção americana de 1993 surja, assim, tão desprotegida. E tanto mais quanto Searching for Bobby Fischer (título original) é mesmo uma raridade: nunca foi lançado nas salas portuguesas, embora exista no mercado numa edição em DVD.
Seria interessante, por exemplo, recordar que estamos perante a estreia na realização de Steven Zaillian, nome essencial na história do cinema americano das últimas décadas, desde logo porque, no mesmo ano de Jogada Inocente, assinou o argumento de A Lista de Schindler, de Steven Spielberg, trabalho que viria a valer-lhe um Oscar. Zaillian é ainda o criador (em parceria com Richard Price) de The Night Of (2016), uma das mais fascinantes séries de televisão que se fizeram neste século. Sem esquecer que é também o argumentista de um dos objectos fulcrais na dinâmica de produção da Netflix: O Irlandês (2019), de Martin Scorsese.
Bobby Fischer (1943-2008), lendário jogador de xadrez, surge, não exactamente como personagem, antes como ponto de fuga utópico do pequeno Josh Waitzking (figura verídica, prodígio juvenil do xadrez nos EUA). Invulgarmente dotado para os caminhos cruzados do tabuleiro de xadrez, Josh vai viver uma odisseia capaz de colocar à prova o equilíbrio do seu espaço familiar e a consistência dos seus estudos. No limite, este é um filme sobre a convergência (ou a contradição) de dois vectores: o processo de crescimento e integração num determinado tecido social e a procura de uma perfeição do jogo que tende a confundir-se com um ideal artístico.
Sem nunca ceder a qualquer visão paternalista ou pitoresca da infância, Zaillian revela-se um subtil observador da natureza humana, além do mais contando com um excelente elenco que inclui Max Pomeranc (na altura com 8 anos, no papel de Josh), Ben Kingsley (o professor de xadrez), Joe Mantegna e Joan Allen (os pais). Pormenor nada secundário: a direcção fotográfica tem assinatura de Conrad L. Hall (1926-2003), mestre absoluto da luz e da cor, aqui nomeado para um Oscar.