terça-feira, dezembro 01, 2020

Eduardo Lourenço (1923 - 2020)

[ Centro Nacional de Cultura ]

>>> Octávio Paz supôs recentemente que a humanidade futura se dvidiria em duas raças: a dos homens livres e poderosos, aqueles que lêem, e os outros, aqueles que olham para a televisão. É pena que não tenha posto entre os poderes os que não lêem nem vêem televisão, mas são os senhores da televisão. De qualquer maneira, esta profecia pouco eufórica não me parece fatal. A televisão existe, não é em si um novo império do mal. Não é útil nem fácil distinguir nela uma boa ou má televisão. Que critérios conceber para isso? Mas é possível vivê-la como um desafio à nossa capacidade de discernimento, à essência mesma da nossa liberdade, que não criou a televisão para que ela nos devorasse. A pedagogia do consumidor de imagens em mais nada consistiria do que em aceitar o desafio e descobrir no que nos fascina uma autêntica mensagem libertadora, uma palavra que preserve a parte de silêncio necessária à respiração da existência humana e contra a qual o rolo compressor das imagens planetárias seria impotente, ou é, no fundo, impotente. Em última análise, essa pedagogia consistiria em recuperar o silêncio do tempo antes da televisão, apagar simplesmente a famosa caixa mágica. Simbolicamente ou praticamente. Sem remorso. 

EDUARDO LOURENÇO
Comunicação ao Congresso Internacional
sobre Comunicação e Defesa do Consumidor, 1993
in O Esplendor do Caos (Gradiva, 1998)

@lopes_jjlr