domingo, dezembro 22, 2019

A política como drama e melodrama

Fabriche Luchini e Anaïs Demoustier
Escrito e realizado por Nicolas Pariser, Alice e o Presidente é um delicioso exercício cinematográfico sobre os bastidores da política, com excelentes interpretações de Fabriche Luchini e Anaïs Demoustier — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Novembro).

É relativamente fácil resumir o que acontece no filme Alice e o Presidente, escrito e realizado port Nicolas Pariser. Assim, tudo se passa em torno do presidente da Câmara da cidade de Lyon que atravessa uma crise de identidade ou, como ele diz, experimenta uma perturbante incapacidade de pensar… A pouco e pouco, a figura de Alice, uma funcionária da Câmara, vai ganhando peso no seu trabalho e, em última instância, nas suas decisões políticas.
Enfim, como sempre, qualquer sinopse é insuficiente para explicar o que está em jogo. E neste caso tanto mais quanto o trabalho de Pariser arrisca um equilíbrio instável entre a ameaça do drama e a sugestão do melodrama, sem deixar de desmontar com contundência, mas também com insólito carinho, os bastidores de uma política nem sempre de consciência muito leve.
Servido por magníficas interpretações de Fabrice Luchini e Anaïs Demoustier, Alice e o Presidente é uma surpresa tanto mais deliciosa quanto os seus diálogos retomam uma tradição eminentemente francesa que talvez possamos remeter para Sacha Guitry, pela crueza da sua ironia, mas sobretudo para a obra de Eric Rohmer (O Joelho de Claire, A Minha Noite em Casa de Maud, etc.). Também aqui, o essencial da acção está naquilo que é dito: a palavra, mais do que um instrumento de comunicação, funciona como matéria de definição (ou desagregação) das identidades.
Numa época em que o mercado está dominado pelos filmes (bem ou mal) associados à quadra festiva, Alice e o Presidente aí está como um pequeno ovni que merece ser descoberto. Podemos reconhecer, afinal, que há uma tradição francesa que não se perdeu e que, para além da subtileza da sua escrita, não desiste de contemplar as convulsões do seu/nosso presente.