Desde Dia da Independência, já lá vão mais de vinte anos, o alemão Roland Emmerich especializou-se na realização de espectáculos tão grandiosos quanto desprovidos de energia dramática: infelizmente, Midway, sobre a guerra no Pacífico, confirma essa lógica — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Novembro).
Perante a estreia de Midway, não podemos deixar de reconhecer um dado inerente à actual dinâmica comercial do cinema mais poderoso. Entenda-se: o cinema que tem poder financeiro para inserir ruidosas publicidades nos ecrãs (televisão & Net) e instalar gigantescos painéis nas nossas ruas. Assim, o “moderno” marketing dos filmes inventou um bizarro género cinematográfico. Se quisermos ser filosóficos, poderemos chamar-lhe “apoteose da redundância”. De forma menos elaborada, porventura mais esclarecedora, diremos que se trata do “filme-que-se-esgota-no-seu-trailer".
Midway é a nova e dispendiosa proeza (100 milhões de dólares!) de Roland Emmerich, o realizador alemão que, a partir de 1996, graças a Dia da Independência, criou fortes laços com o sistema de produção de Hollywood. Era um esforçado épico sobre uma invasão de extraterrestres que, em boa verdade, ainda possuía o mérito de encarar com contagiante sentido de humor a sua grandiosidade algo postiça. Agora, Emmerich propõe-se revisitar um capítulo decisivo dos combates no Pacífico, durante a Segunda Guerra Mundial, alimentando a ilusão de que está a recuperar (?) as premissas do clássico filme de guerra.
Dir-se-ia que para tentar legitimar as ambições “autorais” de Emmerich, Midway contém um episódio tristemente caricatural, evocando a presença de John Ford (1894-1973) no Pacífico, precisamente, como repórter de guerra. Interpretado de forma grosseira pelo actor americano Geoffrey Blake, Ford, um dos mestres absolutos do classicismo de Hollywood (As Vinhas da Ira, O Homem que Matou Liberty Valance, etc., etc.), surge como um “figurante” efémero, completamente descontextualizado... A não ser que Emmerich acredite que os espectadores mais jovens, (des)educados por superproduções atrás de superproduções, descubram Ford graças ao seu filme e vão a correr comprar a respectiva filmografia completa em DVD...
John Ford |
Numa cena situada poucos anos antes do começo da guerra, protagonizada por um investigador militar americano (Patrick Wilson) e um oficial da Marinha japonesa (Etsushi Toyokawa), o filme ainda tenta sugerir que na origem das tensões entre EUA e Japão poderá estar uma profunda clivagem de valores civilizacionais. Mas é uma pincelada esquemática, rapidamente esquecida. Emmerich parece satisfazer-se com a repetição de vistosos efeitos especiais (aviões, porta-aviões, explosões, etc.), cada vez mais sólidos no seu requinte técnico, cada vez mais alheios à elaboração dramática de personagens e situações.
Ed Skrein, porventura identificável pelos fãs da série A Guerra dos Tronos, é um dos trunfos do elenco do filme, interpretando a figura lendária do piloto Richard Best. Encontramos também a talentosa Mandy Moore, no papel da mulher de Best, ou veteranos como Woody Harrelson e Dennis Quaid, respectivamente como o almirante Nimitz e o vice-almirante Halsey, mais dois nomes indissociáveis das memórias da guerra no Pacífico. Todos cumprem a mesma árdua tarefa: tentar compensar (sem grande sucesso...) o esquematismo das personagens que lhes estão atribuídas.
No limite, filmes como Midway funcionam como jogos de video, repetitivos e redundantes, confundindo a ostentação técnica com a construção de uma narrativa. A sua retórica visual pode até bastar para pôr a circular um sugestivo trailer de dois minutos, mas com tão escasso trabalho dramatúrgico não parece possível sustentar mais de duas horas de projecção.