segunda-feira, agosto 05, 2019

João Gilberto ou o músico ausente

Recentemente falecido, o “pai” da Bossa Nova é a figura central do documentário Onde Está Você, João Gilberto?. Mas como filmar alguém que não se quer mostrar?... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Agosto).

O documentário Onde Está Você, João Gilberto? vai ser inevitavelmente visto através da memória recente da morte daquele que entrou para a história como “pai” da Bossa Nova. É natural que assim aconteça: João Gilberto faleceu há menos de um mês, a 6 de Julho, contava 88 anos. Em qualquer caso, importa esclarecer que se trata de uma produção concluída em 2018, apresentada há cerca de um ano no Festival de Locarno.
O filme reflecte algo que sempre terá sido claro para o círculo restrito das pessoas, familiares e amigos, mais próximas do cantor/compositor: a existência de João Gilberto foi sendo marcada por um crescente apagamento público e, mais do que isso, pelo cuidado com que ele ia cortando quase todos os laços com o exterior (o filme revela mesmo situações insólitas como, por exemplo, o facto de o empregado do restaurante que lhe servia as refeições não ter o direito de entrar na sua casa).
Que faz, então, o realizador francês Georges Gachot? Inspira-se, antes do mais, num livro, Ho-Ba-La-Lá, À Procura de João Gilberto, cujo autor, o alemão Marc Fischer, protagonizou um processo semelhante de pesquisa: como encontrar João Gilberto? E, sobretudo: como fazer a história da Bossa Nova sem contar com o seu fundamental testemunho?


Gachot vai dialogando, assim, com personagens marcantes da trajectória pessoal e artística de João Gilberto, incluindo a ex-mulher Miúcha (que viria a falecer em finais de 2018) e João Donato, companheiro de muitas digressões e várias emblemáticas canções. Daí a dimensão paradoxal do inquérito jornalístico que se vai transfigurando em viagem surreal, porque centrada numa insuperável ausência — a da figura “retratada”.
Infelizmente, Gachot tenta “compensar” as dificuldades encontradas com o uso da sua voz off, algo pomposa, dissertando em tom de “tese” mais ou menos metafísica sobre a sua própria odisseia de conhecimento/desconhecimento. Os resultados não deixam de envolver uma sugestiva (re)descoberta da magia musical de João Gilberto, mas o dispositivo cinematográfico de Onde Estás Tu, João Gilberto? acaba por ser algo simplista, desnecessariamente repetitivo.