sábado, abril 06, 2019

Wang Bing — rostos e memórias da China

Há a regra e há a excepção. Almas Mortas, de Wang Bing, é a excepção absoluta. Desde logo pela sua duração: 495 minutos, ou seja, um pouco mais de oito horas (exibidas em dois dias consecutivos). Quanto mais não seja por causa dessa monumentalidade, o documentário sobre a purga desencadeada por Mao Tsé-Tung em 1957, enviando milhares de "ultra-direitistas" para campos de reeducação na província de Gansu, pertence ao modelo de film-fleuve em que podemos encontrar objectos tão radicais como Shoah (1985), de Claude Lanzmann (sobre o Holocausto; mais de nove horas), ou Near Death (1989), de Frederick Wiseman (sobre o tratamento de doentes terminais num hospital de Boston; quase seis horas).
Importa, obviamente, ultrapassar qualquer visão "quantitativa" de tal duração, sublinhando o essencial. A saber: o cineasta de títulos igualmente admiráveis como A Fossa (2010) ou Três Irmãs (2012) prossegue o seu trabalho de obstinado realismo, expondo as nuances com que se tece a complexidade do real — e, mais do que isso, o poder anímico e político da evocação crítica da história humana, das histórias dos homens.
Neste caso, a antologia de rostos e memórias permite-nos conhecer um capítulo trágico da história da China (atingindo mais de meio milhão de pessoas), numa narrativa tanto mais envolvente quanto se vai cimentando através das palavras dos sobreviventes e familiares que dão o seu testemunho. Velha lição de Almas Mortas: o cinema é uma arte que nasce do cruzamento do olhar com a capacidade de escuta.

_____

* ALMAS MORTAS, cinema Monumental (Lisboa):

> 1ª Parte - 6 de Abril (12h00)
> 2ª Parte - 7 de Abril (12h00)

> 1ª Parte - 20 de Abril (12h00)
> 2ª Parte - 21 de Abril (12h00)