PABLO PICASSO Criança com pomba, 1901 |
No final de um jogo de futebol, o treinador Bruno Lage achou por bem convocar a referência de uma criança — que lhe ofereceu um desenho de apoio ao seu clube —, desse modo celebrando aquilo que apresentou como o espírito abnegado, porventura obsessivo, dos respectivos adeptos [video].
Eis uma bizarra evolução de costumes. Repare-se: para estas linhas, é indiferente qual o clube que o protagonista representa; não se trata também, como é óbvio, de duvidar de todos os factos que ele relata. Trata-se, isso sim, de registar a reconversão cultural a que temos vindo a assistir (com a participação dos clubes, dos seus profissionais, de muitos protagonistas da cena política e também de diversas formas do discurso jornalístico).
Dito de outro modo: no imaginário futebolístico dominante, pertencer a um clube é apresentado como uma questão "familiar". Mais do que isso: a dinâmica emocional de tal pertença já passou a ter as crianças como protagonistas sociais e, no limite, símbolos incautos do próprio clube.
Assistimos, assim, ao triunfo de um aparato ideológico em que todas as tradicionais definições do espaço infantil, desde o prazer primitivo da brincadeira à descoberta da expressão artística, foram de tal modo afuniladas que já só o futebol emerge como elemento identitário. No limite, ser criança é pertencer a um clube — e, por amor desse clube, alienar a singularidade de ser criança.